Sabe-se quando será a minha vez? perguntou ele com voz firme.

O ancião encolheu os ombros e olhou para o prisioneiro com uma certa piedade.

Eu sei que não é nada agradável de ouvir, mas creio que é amanhã. Avisaram-me que esta noite vem aqui um monge para vos exortar. Ides precisar de coragem.

Se não a tivesse, não estava aqui.

O carcereiro pousou o pão e a bilha e, como um bom criado de quarto, sacudiu a coberta abandonada sobre a enxerga.

Tivestes sorte! Deram-vos o melhor quarto da casa. Esta cela foi restaurada.

Restaurada? exclamou Selongey, olhando para as paredes cheias de salitre, o tecto que o Verão borgonhês não conseguira secar e a palha meio apodrecida que cobria o chão. Deve ter sido há muito tempo!

É claro que não foi ontem, mas, aqui onde me vedes, conheci esta prisão sem mais nada senão palha. As correntes estavam velhas e ferrugentas e os ratos corriam por aqui como se estivessem em casa deles. No entanto, vi, aqui dentro, uma pobre rapariga dar à luz uma criança. Tinha cometido o pecado do incesto com o irmão e também o de adultério, mas era muito novinha, muito pequenina e partiu-me o coração vê-la torcer-se de dores durante horas.

Philippe tinha empalidecido e olhava com horror, agora, para aquela prisão que, até então, não lhe parecera diferente de outras que conhecera.

Ela chamava-se Marie de Brévailles, não é verdade? murmurou ele. E morreu cinco dias depois...

Foi isso mesmo! disse o carcereiro, espantado. Era do vosso conhecimento?

Não, mas conheci o irmão, ao serviço de monsenhor de Charolais. Foi uma triste história, com efeito.

- Bem, não foi assim tão triste, no fundo!

Como?

Eu explico-vos. Enquanto dava à luz a criança, não passava de uma pobre criatura sofredora, mas devíeis tê-la visto a caminho do cadafalso com o irmão! Como eram nobres, permitiram-lhes que se vestissem decentemente com os seus melhores trajes e estavam ambos soberbos. Antes de subir para a carroça, ele segurou-lhe na mão e sorriram um para o outro. Tinham um ar tão feliz, que pareciam que iam para um casamento. E tão belos! Toda a gente chorou ao vê-los morrer.

Mas deixaram uma criança?

Sim. Uma miúda, que foi levada para o hospício. Isso foi o mais triste, porque ela era filha do pecado, mas dizem que o bom Deus teve piedade dela. Um estrangeiro, um rico mercador, estava de passagem. Viu morrer a mãe e quis ficar com a pequena. Mas não se sabe o que lhe aconteceu...

Selongey reteve um sorriso. Perguntava a si próprio que cara faria o homenzinho se lhe dissesse que a pequena em questão era sua mulher. Mas não lhe apetecia continuar a conversar. Já que a sorte queria que ele passasse as suas últimas horas na mesma masmorra onde Fiora vivera os seus primeiros instantes, isso era, para ele, um sinal do destino. Não teria, como Jean de Brévailles, a alegria de morrer com aquela que amava e não partilharia a sua tumba, mas partiria com a imagem da sua bela florentina no coração. Tentar expulsá-la da sua mente, tal como fizera nos últimos tempos, era inútil. Não podia escapar à recordação de Fiora, aos grandes olhos de Fiora, ao sorriso de Fiora. Talvez achasse a morte mais amena se pensasse nela. No fundo, ela tivera razão em recusar a vida que lhe oferecera. Que seria dela, agora, se tivesse aceitado ir para Selongey? Uma viúva desesperada e irritada com a presença de uma cunhada tão tola como Beatrice, uma mulher que os homens de armas expulsariam como acontece muitas vezes quando se trata dos bens de um condenado? Que seria, talvez, molestada, encarcerada? Philippe odiava com todas as suas forças o Rei Luís, décimo primeiro do nome e por nada deste mundo aceitaria servi-lo, mas, naquela ocasião, mais valia que Fiora tivesse escolhido ficar perto dele e aceitar o pequeno castelo que ele lhe oferecera. Desse modo, a sua morte como rebelde não prejudicaria aquela que amava.

O carcereiro já saíra há muito, expulso pelo mutismo do prisioneiro e pela noite que começava a cair. Philippe pegou no pão que lhe tinham trazido e, depois de traçar o sinal da cruz sobre ele, arrancou um pedaço e mordeu-o. Não tinha fome, mas, sabendo o que o esperava no dia seguinte, queria abordá-lo na plena posse das suas forças. Aliás, pela primeira vez, o pão era fresco e ele mascou-o e cheirou-o com algum prazer. O odor do pão quente, saído do forno, encantara a sua infância; e continuava a ser um dos seus odores preferidos. Comeu metade, acompanhado com alguns goles de água fresca. Era melhor guardar a outra parte para a manhã seguinte. Não lhe trariam mais.

A noite instalou-se e as horas começaram a escoar.

Philippe tinha sono, mas hesitava em deixar-se adormecer: não lhe dissera o carcereiro que viria um monge nessa noite? Confessar-se meio adormecido não é coisa fácil. Finalmente, e como o tempo passava sem que aparecesse ninguém, estendeu-se na enxerga, fechou os olhos e adormeceu.

Foi acordado por uma mão que lhe abanou suavemente o ombro. O jovem viu entrar pelo respiradouro a luz de um dia cinzento e compreendeu que dormira tranquilamente a sua última noite. A mão pertencia a um pequeno monge cujo hábito cinzento pertencia aos Frades menores, ordem fundada por São Francisco de Assis. Ainda ensonado, Philippe ouviu uma voz doce murmurar-lhe:

A hora aproxima-se, meu filho. Vim assistir-vos. Tendes de vos preparar para comparecer perante o Criador...

O pequeno monge tinha uns olhos claros, plenos de compaixão, num rosto ainda não arranhado pela maturidade. Philippe sorriu-lhe.

Sou todo vosso, meu irmão. Sabeis quanto tempo me resta de vida?

As Primas ainda não soaram. Só morrereis a meio da manhã.

O prisioneiro sentiu-se empalidecer.

Creio que não tenho muitos pecados para confessar. Sem dúvida, antes do cadafalso, serei torturado?

Não creio. Ninguém me disse nada e, normalmente, seria avisado. Creio acrescentou ele com um meio sorriso que podereis caminhar firmemente para a morte, se é isso que vos atormenta.

Philippe não conseguiu reter um suspiro de alívio. Era a melhor notícia que lhe podiam ter trazido. Nada lhe enfraqueceria a coragem e aqueles que já se amontoavam na praça do Morimont veriam como morre um cavaleiro do Tosão de Ouro.

Ajoelhando-se diante do monge sentado na enxerga, esvaziou a alma de tudo aquilo que, em trinta anos de existência, poderia ter acumulado de faltas, pesadas ou leves. Aquilo durou mais do que imaginara, porque, à medida que recuava no tempo, a sua memória restituía-lhe recordações mais ou menos enterradas com os rostos daqueles que tinha matado, na guerra ou em duelo. O mais difícil foi, sem dúvida, confessar por que meios obrigara Francesco Beltrami a dar-lhe a mão de Fiora e o dote fabuloso que a acompanhava.

Mas esse ouro defendeu-se ele não o queria para mim. Era para o meu príncipe, que dele tinha muita necessidade.

Compreendo disse o monge severamente fizestes negócio com uma alma inocente. Não podíeis amar essa jovem...

Tanto podia, que continuo a amá-la, já que ela é minha mulher e nunca deixarei de a amar. Fui apanhado na minha própria armadilha e é esse o meu castigo. A minha única dor é não ter notícias dela.

Seguiu-se um silêncio apenas perturbado pela respiração atormentada de Selongey. O monge olhava-o sem o ver, absorto num sonho interior. Subitamente, tirou do hábito um pequeno rolo de papel que meteu na mão do prisioneiro.

Um homem, que vi ontem à tarde, suplicou-me que vos entregasse este bilhete. Contém, parece, essas notícias que tanto esperais.

Philippe pegou na mensagem como se se tratasse de uma hóstia. Os seus olhos dourados acabavam de se iluminar.

Esse homem disse-vos o nome?

Nem eu teria aceite que não. Disse-me que se chamava Mathieu de Frame.

Esquecendo que devia permanecer ajoelhado até ter recebido a absolvição, Philippe, invadido por uma grande alegria, levantou-se e caminhou até ao respiradouro invadido pela luz rosada da madrugada. O seu coração batia-lhe com toda a força no peito, de maneira quase dolorosa. Os seus dedos tremiam em redor do pequeno rolo que não ousava abrir. Quando, em Março último se separara, em Gand, de Frame, seu escudeiro, mas também o seu melhor amigo ao longo de tantos anos, lado-a-lado na guerra e na paz, enviara-o a Touraine para saber o que acontecera a Fiora. A ideia de nunca mais saber nada dela era-lhe intolerável e ninguém melhor do que Mathieu para levar a cabo essa delicada missão: ver sem ser visto, saber sem que lhe adivinhassem a presença. A honra, e também, talvez, o orgulho, impediam que Selongey se aproximasse da sua mulher, já que ela o intimara a isso de maneira extremamente cavalheiresca, mas temia, acima de tudo, que levasse a cabo a última ameaça que lhe lançara: anular o seu casamento, reconquistar a liberdade, a sua mão e o seu coração... talvez para os dar a um outro homem. Se fosse esse o caso, Philippe queria saber a quem devia desafiar para um combate. Mesmo longe de si, Fiora continuaria a ser sua, fosse a que preço fosse.

Mathieu não ficara encantado com a missão:

Confias-me uma missão de espião?

Antes uma missão de amigo. Eu não posso ir, porque entrar em França significa correr o risco de me deixar aprisionar. Luís XI sabe que nunca lhe prestarei vassalagem e a ocasião seria boa demais para fazer da minha mulher uma viúva. Mas, para defender o que me pertence, juntar-me-ei a ti. Juntos, podemos raptá-la.

Por que não fazê-lo já, nesse caso?

Porque quero dar-lhe mais algum tempo. Porque quero ver quanto vale o seu amor. Para já, ela não me perdoaria um golpe de força.

Resmungando, mas convencido, Prame partira. Alguns dias mais tarde, a duquesa Maria enviava Selongey a Dijon e o cavaleiro nunca mais recebera as notícias tão esperadas.