É possível.
O sargento estava de volta, escoltado por um camareiro muito agitado. Ofegante, também e que mal saudou a visitante:
Este homem compreendeu bem? Sois a senhora condessa de Selongey?
Sou. É assim tão extraordinário?
Bem, sobretudo, é inesperado. A senhora duquesa vai partir para a caça e...
E não me pode receber. Apresentai-lhe, por favor, as minhas desculpas, mas não penso retardá-la durante muito tempo. Uma curta entrevista, é tudo o que desejo.
Não podíeis... protelar para mais tarde?
Lamento insistir, mas só fico em Bruges algumas horas e venho de longe...
O camareiro estava com um ar muito infeliz. Talvez se tivesse demorado ainda mais um instante se uma dama de uma certa idade, magnificamente vestida, não aparecesse por sua vez, erguendo com as duas mãos, para poder andar mais depressa, a saia de espesso tafetá verde-escuro com ramagens cinzentas e douradas. A sua chegada pareceu aliviar o camareiro:
Ah! Madame d’Hallwyn! É Sua Senhoria que vos manda?
Naturalmente! Pareceu-lhe que era indecente fazer esperar, como uma comerciante de moda qualquer, uma dama desta qualidade... se não há qualquer engano!
Que achais? perguntou Fiora com uma altivez que provocou um ligeiro sorriso nos lábios da dama-de-companhia. O seu olhar azul já tinha avaliado a beleza, a elegância da recém-chegada e a distinção plena de orgulho que anunciava a sua nobre linhagem.
Que não é possível qualquer dúvida. Só uma mulher tão bela como vós seria capaz de convencer messire Philippe a casar. Quereis seguir-me? A senhora duquesa espera-vos.
Atrás da sua guia, Fiora perdeu o sentido da direcção. Subiram escadas, seguiram por galerias e vastas salas com as mais belas tapeçarias tecidas a ouro que alguma vez vira. Desceram até um jardim onde um cipreste dominava uma grande quantidade de roseiras. Viram de relance grandes viveiros de pássaros e, finalmente, foram dar a uma construção isolada por uma parede e cujos vastos telhados e torreões estavam revestidos de telhas verdes. Por cima flutuavam bandeiras vivamente coloridas. Jardins, pátios e construções fervilhavam de servidores.
Este palácio é imenso! observou Fiora. Muito maior do que me pareceu à primeira vista!
É por causa da porta, que tem um aspecto fraco, mas o defunto duque Filippe dizia que, tal como a entrada do Paraíso, a do seu palácio devia ser estreita para maior segurança. Eis-nos chegadas: aqui é o paço verde, chamado assim por causa da cor do seu telhado. Madame Maria acha o palácio demasiado vasto, prefere uma residência um pouco mais íntima...
íntima, talvez, mas tão faustosa quanto o resto. Se as guerras do Temerário tinham arruinado a sua família e a Borgonha, não parecia naquela casa, onde tudo era de um luxo extremo. Mme. d’Hallwyn gozava, visivelmente, com a surpresa da sua companheira:
E ainda não tivestes ocasião de admirar os ”balneários”. São únicos e encontram-se lá, para além das salas de banho, estufas de vapor quente e salas de repouso das mais agradáveis do mundo. Mas, estamos a chegar.
Um instante mais tarde, numa galeria amplamente iluminada por umas altas janelas ogivais com vitrais de cores vivas, Fiora saudou profundamente uma jovem alta que devia ter mais ou menos a sua idade. A jovem teve de reconhecer, se bem que não lhe provocando qualquer prazer, que era encantadora: magra e graciosa, Maria de Borgonha possuía uma pele de uma brancura deslumbrante, um nariz pequeno, belos olhos vivos de um castanho ligeiro e uma abundante cabeleira de um belo castanho-dourado que uma coifa de veludo verde e musselina branca segurava mal. Com toda a evidência, devia parecer-se com a sua mãe, aquela Isabel de Bourbon morta quando ela era criança e que fora o grande, o único amor do Temerário. Dele, ela tinha a boca carnuda, marcada por uma ruga de obstinação e o queixo arredondado e ligeiramente pontiagudo que lhe dava ao rosto um pouco a forma de um coração.
A duquesa olhou por um momento para a jovem meio ajoelhada na sua reverência com uma curiosidade que não se deu ao cuidado de dissimular.
Perguntei a mim mesma muitas vezes se vos veria um dia, Madame disse ela com voz clara. Sois, portanto, a Fiora de Selongey que foi, durante muito tempo, a amiga do meu pai?
Refém seria mais justo, senhora duquesa. Não foi por minha vontade que segui monsenhor Carlos!
Levantai-vos! Disseram-me, de facto... no entanto, tivestes a sorte de pertencer ao seu séquito... até ao fim.
Vossa Senhoria pode dizer até ao último minuto. Eu vi o duque, na manhã de Nante montar no seu cavalo Moro e afastar-se na bruma na direcção da sua última batalha. Tive, também, o privilégio de assistir ao seu funeral...
Enquanto ela falava, o rosto um pouco tenso de Maria animou-se, coloriu-se:
Por que não viestes mais cedo? Meu Deus! Teria tantas perguntas para vos fazer, tantas coisas para vos dizer! O meu pai sei-o, estimava a vossa coragem...
O meu marido nunca exprimiu o desejo de me conduzir até junto de Vossa Senhoria e não escondo que se ergueu entre nós um grave diferendo. Mas isso, agora, não tem importância e como não quero retardar a vossa partida para a caça...
É verdade, meu Deus, a caça! Madame d’Halwynn ide dizer ao senhor meu marido que parta sem mim. Eu hoje não vou à caça.
Mas cortou Fiora não é necessário o vosso marido privar-se...
Eu posso caçar noutro dia qualquer. Hoje, prefiro falar convosco... a menos que não vos importeis de ficar neste palácio durante alguns dias?
Não, senhora duquesa! Agradeço-vos, mas se o meu marido não se encontra em Bruges, partirei amanhã.
Maria de Borgonha perscrutou, de novo, o rosto da sua visitante, procurando nele, talvez, o reflexo de uma emoção que não encontrou.
Vinde comigo! Temos, mesmo, de falar.
Seguindo a duquesa, Fiora atravessou um grande quarto sumptuosamente mobilado onde duas damas de linhagem, de imediato mergulhadas numa grande reverência, se afadigavam a arrumar roupa branca e toucados e foi ter a uma pequena divisão revestida a veludo vermelho com galões dourados que lhe fez lembrar, em ponto mais pequeno, evidentemente, a faustosa tenda onde vira pela primeira vez o Temerário. O mobiliário compunha-se sobretudo de livros, de uma escrivaninha e, em frente da chaminé em forma de funil, de um banco comprido coberto de almofadas, sobre o qual Maria se sentou, puxando Fiora para junto de si.
Philippe de Selongey é um homem pouco falador suspirou ela e eu não percebi bem a vossa história, mas como não quero forçar as vossas confidências, dizei-me apenas há quanto tempo não vedes o vosso marido?
Há dois anos, Vossa Senhoria. A vida compraz-se em nos separar sem cessar e eu tenho sofrido muito. É por isso que quero tanto encontrá-lo.
Que vos fez pensar que ele estava aqui?
Monsenhor o grande bastardo Antoine, que encontrei por acaso.
Um brilho de cólera atravessou o olhar castanho e a bela boca redonda apertou-se:
O meu querido tio que, mal o meu pai desceu à terra, se apressou a passar para o lado do meu querido padrinho, o Rei Luís! Nós somos, na verdade, uma família estranha, na qual o padrinho espolia a sua pupila e os ”melhores” amigos do meu pai o ajudam nessa tarefa...
Monsenhor Antoine pensa que o que foi terra de França deve regressar à terra de França. É pena que Vossa Senhoria não tenha podido casar com o delfim Carlos. Teríeis sido uma grande rainha...
Imaginais-me a casar com uma criança de oito anos? exclamou Maria, rindo. Evidentemente, é tentador reinar sobre a França, mas também serei, pelo menos assim espero, uma boa imperatriz da Alemanha. Dito isto, o que vos disseram é verdade: messire Philippe estava aqui no Natal. Suponho que foi por Mme. de Schulembourg que o grande bastardo soube! Ela é muito amiga da mulher dele...
Foi ela, de facto. Posso perguntar onde se encontra o meu marido?
A duquesa levantou-se e deu duas ou três vezes a volta à sala antes de se deter diante de Fiora.
Como posso sabê-lo? Ele só cá ficou dois ou três dias. Vós, os Selongey, pareceis incapazes de ficar muito tempo no mesmo sítio.
Para onde foi ele?
Não sei! E nem sequer percebi o motivo da sua vinda. Dele só vimos a sua cara à banda! E na época das mais belas festas do ano!
Fiora reteve um sorriso desdenhoso. Aquela princesinha bem se esforçava por mostrar que tinha o mesmo sangue fervilhante do Temerário e seria o diabo se alguém duvidasse! Com a sua tez de flor-de-lis, os olhos sonhadores e os vestidos talhados à alemã que lhe achatavam o peito sob um conjunto de bordados dourados e lhe engrossavam a cintura, não evocava em nada a lenda trágica e grandiosa que aureolava o último dos duques da Borgonha. Uma cara à banda, na verdade? Esperaria ela que um homem que acabara de sofrer tantas provações tivesse um aspecto divertido e estivesse disposto a dançar nos bailes da corte?
Creio, Madame disse ela com amargura que ele vinha em busca de algo impossível. Algo que vós fostes incapaz de lhe dar.
E que algo foi esse?
Amor. Penso que ele ama Vossa Senhoria, que sempre amou e que não pôde suportar ver-vos casada e feliz, porque vós sois feliz, não sois, Madame?
Infinitamente! Tive a felicidade de dar um filho ao meu querido marido e pode ser que, em breve, lhe dê outro.
É natural. Mas ele, que fez seus durante tantos anos os sonhos do vosso pai, deve ter compreendido que já não havia lugar para esses sonhos! Confesso a minha decepção, senhora duquesa. Esperava que, pelo menos, o tivésseis mandado para longe numa qualquer missão.
Nem pensar. Nós temos tréguas com o Rei de França. Que missão lhe poderia confiar?
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