É verdade, mais do que eu. Mas, confesso-vos, não pensei muito no pai dela enquanto a esperava... nem mesmo agora. É a prova de que nunca amei verdadeiramente Lourenço. Ela tem poucas hipóteses de o vir a conhecer um dia... Não sabeis. Que hipóteses tínheis vós de conhecer Florença no dia terrível do vosso nascimento? Deixai-me mandar o tio Anicet a Paris com uma mula e um bilhete. Florent é demasiado conhecido no bairro. É melhor que não o vejam por lá nos dias que correm.
Fiora chorou, suplicou quando Léonarde, aparentemente impiedosa mas com o coração despedaçado, lhe enfaixou os seios com firmeza para impedir o aparecimento do leite, alegando, aliás, que de pouco serviria, porque, aquando do nascimento de Philippe, Fiora se mostrara pouco pródiga quanto ao precioso líquido maternal. E como esta passasse das lágrimas e das súplicas à cólera, aquela mostrou-se severa.
Deixai de vos comportar como uma criança! Esta pequenina precisa de uma boa ama e nós não vamos passar a vida a mudar de seio a cada dois minutos. Pensai um pouco nela!
Era preciso resignar-se. Aliás, na manhã seguinte, os Nardi, frementes de uma alegria que não ousavam demonstrar diante do rosto trágico da jovem mãe, acorreram a Suresnes com cavalos e uma confortável liteira para que o bebé fizesse a curta viagem nas melhores condições. A ama, escolhida com cuidado, esperava já na rue des Lombards. Tal como os Reis Magos da Sagrada Escritura, levavam presentes inúteis e encantadores, como rendas e unguentos de beleza para Fiora que traduziam bem a sua afeição.
Quando Fiora, chorando como uma Madalena, depositou a sua filha nos braços de Agnelle, esta beijou-a calorosamente.
Eu sei o que vos custa, minha amiga, mas podeis estar certa de que a nossa pequena Lorenza receberá tudo o que uma criança pode desejar e que nós a amaremos de todo o nosso coração, Agnolo e eu. Aliás, se não puderdes vir vê-la dentro de pouco tempo, prometo-vos que a levamos lá este Verão...
Não sei se isso será muito sensato suspirou Léonarde. Parece-me evidente, a partir deste momento, que Lorenza Maria se vai parecer muito com a mãe...
Ainda bem para ela disse Agnolo porque seria lamentável que se parecesse com o seu ilustre pai, que é bem feio! Mas deixemos que a natureza siga o seu curso e veremos!
Lorenza Maria! suspirou Agnella embalando, com os olhos cheios de estrelas, o pequeno embrulho branco que Fiora fixava com desespero. Que nome tão bonito! E é com este nome que vai ser baptizada esta noite mesmo na igreja de Saint-Merri...
Hoje? espantou-se Léonarde. E que nomes ides indicar para o pai e para a mãe?
Não há muitas soluções disse Agnolo. Só a podemos declarar como filha de pais incógnitos. Agnelle e eu vamos assinar unicamente como madrinha e padrinho. Naturalmente, dois dos nossos vizinhos acompanhar-nos-ão como testemunhas.
Nesse caso, não vai ter um nome verdadeiro? murmurou Fiora. Mas ela devia chamar-se Médicis, ou, pelo menos, Beltrami.
Conheceis-me assim tão mal? perguntou Agnolo. O padre receberá ouro e eu hei-de arranjar-me para que ele pense que eu sou o pai...
Pois insurgiu-se Agnelle como é amável da tua parte! Ainda por cima porque, em princípio, é filha da tua sobrinha?
Não tenhas receio continuou o negociante, rindo. Desde que lhes paguemos, os vigários das paróquias não se mostram muito difíceis e isso permitirá que este anjinho tenha um nome: chamar-se-á Lorenza Maria del Nardi. Não é o principal?
É evidente! És sempre tu quem tem as melhores ideias...
Quando deixaram a propriedade, a casa pareceu ficar vazia. Era como se tivessem levado com eles toda a luz e calor. Apoiada nas almofadas onde sobressaía a espessa trança negra dos seus cabelos, Fiora, de olhos baixos, mantinha-se calada.. A jovem olhava para os braços estendidos, para as mãos abandonadas com as palmas viradas para cima sobre o lençol de fina tela. Também eles estavam vazios e, de repente, aquilo foi-lhe insuportável. Erguendo as pálpebras, ela olhou para Léonarde, que se deixara cair num banco e chorava, de cotovelos nos joelhos e a cabeça entre as mãos e para Florent, encostado à pedra da chaminé e olhando, sem ver, para o fogo que se apagava. Os dois, fulminados por uma imobilidade que parecia nunca mais acabar, não ousavam virar-se para o leito... Era como se a sua vida, também a deles, tivesse parado com a partida daquela liteira cujos eixos ainda ouviam ranger ligeiramente, afastando-se na direcção da velha ponte romana.
Um súbito bafo de cólera tirou a jovem do seu amargo devaneio. Não ia ficar ali, imóvel, esperando estupidamente que o seu coração deixasse de lhe doer. A sua voz soou, alta, clara, imperiosa, fazendo estremecer os outros dois.
Dai-me um roupão, minha querida Léonarde! Quero levantar-me.
De imediato a velha solteirona estava junto dela, meio inquieta, meio zangada:
Nem penseis! Ainda há dois dias destes à luz...
E então? Péronnelle falou-me, uma vez, numa camponesa que sentiu dores quando estava a apanhar cerejas. Deu à luz o filho e dois dias depois foi vender as cerejas ao mercado de Notre-Dame-la-Riche. Acho que não sou menos sólida do que ela.
Só mais um pouco de paciência! Só mais dois ou três dias!
Nem mais um! Tendes de compreender que não suporto mais esta casa... agora que ela se foi embora. Amanhã de manhã regressamos a casa. A única coisa que vos peço aos dois é que a casa fique arranjada e que tudo esteja pronto de madrugada.
Não vai demorar muito tempo disse Léonarde tristemente. Poucas coisas nos pertencem...
Quereis mesmo partir, donna Fiora? perguntou Florent, cujo olhar azul perscrutava o fino rosto pálido e os olhos cinzentos aumentados por um círculo azulado.
É a minha cara que não vos agrada? Pelo contrário, creio que está de acordo com as circunstâncias, já que passo por padecer de uma doença qualquer. Seria desastroso regressar a casa com boa cara e faces rechonchudas. Quando lá estivermos, creio que me sentirei menos mal!
Feita a reflexão, Fiora decidiu partir antes de nascer o dia para que ninguém se apercebesse, porque não lhe apetecia mudar de roupa na primeira floresta que encontrassem. Ninguém a tinha visto durante aquela estadia de seis meses e ela queria que assim continuasse. Enquanto Florent, carregada a pouca bagagem, acabava de ajaezar as mulas, ela pediu a Léonarde que fosse chamar o tio Anicet.
O homenzinho mostrara-se de uma discrição exemplar e quando Fiora ia ao jardim quando lá estava, ele assobiava ao seu cão e afastava-se, virando-lhe as costas. A jovem queria agradecer-lhe.
Vou deixar esta casa disse-lhe ela para não mais voltar. Nunca mais me vereis, mas desejo, antes de partir, provar-vos a minha gratidão pelo silêncio e solidão que vos permitistes respeitar.
O tio Anicet olhou para a delgada silhueta negra envolta num grande manto cujo capuz forrado de pele de raposa escondia metade do rosto e depois para as cinco moedas de ouro que uma mão enluvada acabava de depositar na sua. Por um curto instante, as suas pálpebras, tão amarrotadas como as de uma tartaruga, ergueram-se, deixando ver umas pupilas singularmente vivas para um homem da sua idade:
Eu nunca vos vi disse ele, por fim. Como quereis que me recorde de alguém que nunca morou nesta casa?
Não. Não vos podeis recordar, mas um pouco de ouro nunca fez mal a ninguém.
É justo! Nesse caso, daqui a pouco vou acender uma vela a São Leuffroy para lhe agradecer a fortuna que encontrei, graças a ele, nesta casa vazia...
E, saudando com a mão esquerda enquanto apertava com força a mão direita sobre as moedas de ouro, o ancião abandonou a casa e desceu, cantarolando, até ao rio para ali colher as suas redes.
Um quarto de hora mais tarde, os três viajantes afastavam-se por sua vez e metiam lentamente pelo estreito caminho junto à margem do Sena, que iriam seguir até Meudon para, de lá, atingirem, sem entrar em Paris, a estrada de Orleães. As cruzes do monte Valerian e os sinos da abadia de Saint-Leuffroy já tinham desaparecido por trás das árvores de um bosque espesso quando o Sol, surgindo como uma grande bola vermelha, se lançou no céu cinzento e rosa de uma aurora que se anunciava ventosa.
A única cedência de Fiora a Léonarde fora uma viagem não muito rápida. A velha solteirona alegara o reumatismo que a humidade dos dias anteriores acordara, sabendo bem que, não fora a sua própria saúde, a jovem ter-lhes-ia imposto um andamento infernal. Assim, a jornada já ia avançada quando, três dias mais tarde, os três viajantes viram o pesado torreão quadrangular, o campanário de Beaugency e a alta torre quadrada da abadia de Notre-Dame.
Passado o recinto fortificado mesmo a tempo antes do fecho das portas viram que a cidade estava animada, especialmente a praça do Martroi, atravancada de criados, de cavalos e carroças de bagagem. Tudo aquilo extravasava da grande hospedaria com a insígnia do Escudo de França, onde Fiora esperava pernoitar. Visivelmente, o estabelecimento esforçava-se por acolher dentro das suas paredes a comitiva de um grande senhor.
Que vamos fazer? perguntou Fiora. Não podemos ir mais longe esta noite.
Só temos duas hipóteses suspirou Léonarde. Procurar um albergue menos agradável ou pedir asilo aos monges da abadia junto da margem. Encontrai-nos uma das coisas, Florent, enquanto vamos rezar àquela pequena igreja. Os meus rins doem-me muito para vos seguir na busca... Vindes, Fiora?
Esta não respondeu. A jovem olhava com interesse para um pajem, seguido de dois criados, que transportavam, um pequeno cofre e os outros uma arca na direcção do Escudo. Os três tinham nas túnicas as armas do seu senhor e, justamente, aquelas armas Fiora recordava-se de as ter visto bastantes vezes quando os seus passos estavam ligados aos do Temerário, eram, cortadas pela barra sinistra da bastardia, as grandes armas de Borgonha. A jovem não teve tempo de fazer a si própria uma única pergunta: um homem de alta estatura, vestindo com elegância e majestade uma cinquentena de anos, acabava de aparecer, com o capelo na mão, à saída da igreja, profundamente saudado pelo clérigo da dita. Pouco mudara em dois anos e Fiora, quase maquinalmente, pôs pé em terra para o saudar. Era o homem a quem toda a Europa chamava o grande bastardo, Antoine de Borgonha, em tempos o melhor e mais fiel dos chefes de guerra do Temerário, seu meio-irmão e por quem combatera até ao fim. Prisioneiro após a fatal batalha de Nancy, reencontrara rapidamente a liberdade e diziam-no um dos mais quentes partidários do regresso de Borgonha ao seio de França. Antoine de Borgonha reconheceu Fiora ao primeiro olhar e, subitamente sorridente, avançou para ela com as mãos estendidas:
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