Porquê? murmurou ela pensando em voz alta sem se dar conta por que é que o Rei Luís vem aqui tão poucas vezes? No entanto, Paris é digna dele...

Sim, mas Paris foi inglesa durante muito tempo e o Rei não consegue esquecer isso disse Léonarde. As recordações estão demasiado próximas e será preciso, talvez, outro reinado, outra geração, para que Paris volte a estar, finalmente, em graça. O Rei toma conta dela: já não é mau... E, num certo sentido, é bom para nós. Não nos arriscamos a dar de caras com ele.

Com a aproximação do Natal, o frio instalou-se, assim como a neve. As noites foram perturbadas pelos uivos dos lobos. Florent e o tio Anicet velavam pelas portas com mais diligência do que nunca. Dizia-se, também, que havia malfeitores que tinham o seu quartel-general na floresta vizinha de Rouvray, mas nenhum ousava aproximar-se da poderosa abadia e das poucas casas abrigadas sob a sua protecção de pedra.

Fiora sentia-se bem fisicamente, mas o aborrecimento começava a tomar conta dela. As notícias de Touraine eram raras.

Léonarde escrevera a Etienne para lhe dizer que Fiora contraíra uma doença que a fazia sofrer muito e que a proibia de empreender, sobretudo no Inverno, a viagem até ao Loire. Só regressaria na Primavera, se tudo corresse bem... Em resposta, trazidas uma vez por Agnelle e outra por Agnolo, receberam umas linhas breves e desajeitadas. O bravo Etienne sabia ler, mas a escrita não era o seu forte. Quanto a Khatoun, a quem Fiora enviara uma pequena carta, não respondeu, o que inquietou a jovem, porque Khatoun sabia ler e escrever na perfeição. Florent, por sua parte, pensou que a jovem tártara estava amuada, mas absteve-se de o dizer, contentando-se em observar que, geralmente, a ausência de notícias significava que tudo ia bem. E como Etienne dizia que o pequeno Philippe crescia como um cogumelo, não havia razão para preocupações.

No entanto, tenho vontade de vos enviar até lá disse-lhe um dia Fiora. Este silêncio não é normal. Sabendo que estou doente, podiam, pelo menos, perguntar por mim!

Quem? Nenhum dos habitantes de la Rabaudière se pode aventurar pelos caminhos com este tempo frio. E o pequeno messire Philippe precisa de toda aquela gente...

Era evidente. No entanto, Fiora não podia deixar de pensar que Douglas Mortimer que, como bom escocês, não temia tempestades nem frio, podia fazer a viagem até Paris... E ela sofria com aquela indiferença. Era como se, ao deixar a casa do Loire, tivesse apagado da paisagem até a sua recordação. E agora tinha tanta pressa de partir que lhe parecia que o bebé nunca mais nascia...

Passado o Ano Novo e o Dia de Reis, os dias pareceram arrastar-se ainda mais miseravelmente. Léonarde sofria de reumatismo e metade das couves que tinham posto de reserva transformaram-se em cataplasmas. O frio, felizmente, não era muito rigoroso, mas, quando a neve fundiu, o Sena começou a engrossar. Da janela da sala, as duas mulheres viram-no subir lentamente ao assalto do pomar, depois do jardim e, finalmente, da escada. Um degrau, depois outro... A cave encheu-se de água, não atingindo o vasilhame mas as outras provisões teriam de ser removidas e Florent levou uma noite inteira a deslocar a salgadeira, os presuntos, as maçãs e as pêras para evitar o naufrágio total. Já pensavam em levar os móveis para a vinha e as duas mulheres para casa do eremita do monte Valerian quando, bruscamente, no espaço de algumas horas e como se tivessem tirado o ralo a uma tina, o fluxo barrento se retirou. O pomar deixou de ser uma plantação de penas de pato em tinta cinzenta para reencontrar os seus socalcos. Socalcos lamacentos, esponjosos, mas que, mesmo assim, se pareciam com terra firme.

Tiveram outros alertas quando, no fim do Inverno, rajadas de chuva sacudiram as árvores e arrancaram as pequenas hastes. Florent vivia sentado na margem com o olhar fixo no nível do rio. Quanto a Fiora, que atingira o máximo de circunferência, negava todo o perigo em virtude do antigo adágio que dizia que aquilo que se nega não existe. Mas era impossível negar as dores da pobre Léonarde e quando era suposto ser ela a ocupar-se da futura mãe, foi esta que passou longas horas a tratar das suas articulações dolorosas. A jovem acabou, até, por esquecer o seu estado: ela e os seus dois companheiros viram-se fechados no coração de uma bolha de calor e secura que vogava sobre um rio instável que não se sabia se, de repente, não os iria engolir para sempre.

Então, de um só golpe, tudo entrou na ordem. Nos últimos dias de Março, a Primavera foi fiel ao encontro. Os rebentos, rapidamente transformados em botões, surgiram nas árvores frutíferas e da lama surgiram delgadas lâminas verdes que anunciavam a erva. Fiora, então, pensou que a criança não tardaria. De facto, na noite de 4 para 5 de Abril, voltou a sentir as dores, pouco violentas mas suficientemente próximas para fazer com que chamasse Léonarde que, por sua vez, chamou Florent, encarregado de acender o fogo na cozinha e de pôr água a ferver, enquanto ela própria preparava tudo o que era necessário. Já há muito que estava pronto um cabaz para servir de berço.

Tudo correu infinitamente mais depressa do que esperavam e a água mal teve tempo de ferver: meia hora depois de ter lançado o seu primeiro gemido, Fiora, estupefacta, dava à luz uma rapariga. A jovem não sentia qualquer fadiga e por pouco não saiu da cama para ajudar Léonarde a tratar do bebé.

Sofri tanto aquando do meu pequeno Philippe! Será possível pôr uma criança no mundo em tão pouco tempo?

A prova! disse Léonarde, rindo. A vinda do primeiro filho é sempre mais demorada, mas a nossa querida menina, parece, estava cheia de pressa para ver a luz do dia. Oh, meu cordeirinho, ela parece-se tanto convosco!

E Léonarde, que acabava de enfaixar a pequenina, pôs-se a chorar enquanto a embalava nos braços. Florent, que chegava com lenha para a lareira, deixou-a cair no chão.

Por que chorais assim, dame Léonarde? A criança não está...

Não, não, ela está bem, mas acaba de me fazer recordar tanta coisa! Vós não éreis mais velha, Fiora, quando vos puseram nos meus braços pela primeira vez e parece-me que recomeça tudo de novo!

Graças a Deus, as circunstâncias não são as mesmas disse Fiora docemente.

São menos trágicas, sem dúvida, mas são quase tão tristes como então. Esta pequenina não vos chamará mãe, assim como vós não o chamastes à vossa.

Por sua vez, os olhos de Fiora encheram-se de lágrimas. A jovem percebeu que, até ao instante do seu primeiro grito, a criança que trazia em si lhe aparecera como um incómodo, uma punição e até um perigo, porque se arriscava a erguer uma barreira intransponível entre ela e o homem que amava. Não a esperara com a mesma alegria, o mesmo orgulho que o seu pequeno Philippe. Mas, naquele momento, já não era uma abstracção: era um pequeno ser vivo, carne da sua carne, sangue do seu sangue e quando Léonarde, docemente, a depositou nos seus braços, foi com uma verdadeira ternura, com um verdadeiro amor que ela pousou os lábios trémulos na minúscula cabeça redonda, onde uns pequeninos cabelos castanhos formavam como que um pequeno penacho...

Oh, Léonarde balbuciou ela que vai ser de nós? Como pude pensar, por um só instante, em me separar dela? Já a amo tanto...

Também eu, e peço-vos perdão por ter dado, nesta hora que devia ser de felicidade, livre curso aos sentimentos que me esforcei por dissimular durante este tempo todo. Mas não imaginava que seria uma rapariga. Então... tudo transbordou de repente.

Estáveis a pensar na minha mãe. Também eu, agora. Como ela deve ter sofrido ao saber que ia deixar este mundo e que me ia deixar também a mim!

Convosco não será a mesma coisa. Esta criança conhecer-vos-á e mesmo que não saiba que sois mãe dela, estou certa que vos amará... Já agora, como havemos de lhe chamar? Tem que ter um nome florentino já que é, em princípio, a sobrinha neta do bom Agnolo.

Isso é evidente: Lorenza... Lorenza Maria, em memória da minha mãe.

Apesar das censuras violentas de Léonarde, Fiora recusou separar-se da filha. Até ao nascer do dia, a jovem apertou o bebé contra si, murmurando-lhe palavras ternas, acariciando-lhe docemente as mãos minúsculas e as pequenas faces redondas, que tinham a suavidade e a cor de uma uva. O seu coração, apanhado pela surpresa, transbordava de amor e desgosto. E quando, de manhã, Léonarde lha levou para cuidar dela e alimentá-la com um pouco de água açucarada com mel, Fiora teve a impressão de perder uma parte de si mesma.

Trazeis-ma já a seguir, não é verdade?

Não, Fiora. Vós também precisais de cuidados, sem falar do repouso que recusastes a vós mesma. Lorenza vai dormir um pouco no cabaz... mas eu ponho-o junto da vossa cama, prometo.

Não ides... mandar prevenir já Agnolo e Agnelle, pois não? Ides deixá-la comigo mais um bocadinho, não ides?

Havia tanta angústia na sua voz, que a velha solteirona sentiu o coração apertar-se-lhe. Léonarde tinha medo, desde o primeiro dia, daquela fogueira de amor maternal. Ver aquele rosto doloroso onde as lágrimas vertidas durante a noite tinham deixado o seu rasto, perturbava-a.

Isso não é razoável. Quanto mais tempo esperardes, mais custará a separação. Além disso, Agnelle já contratou uma ama.

Por que não hei-de amamentar a minha filha durante algum tempo? No fim de contas, qual é a pressa? Nós estamos bem aqui...

Esqueceis o vosso filho? Deixaste-lo há seis meses e não se pode dizer que tenhais passado muito tempo com ele. Não tendes saudades dele?

Sim, claro... mas, parece-me que ainda amo mais este anjinho. Ele tem tudo...

Menos um pai! disse Léonarde, muito séria. Lorenza terá pai e mãe, sem contar convosco mesma, que não a perdereis de vista. Enfim, não esqueçais que ela é de raça ilustre. Ela é uma verdadeira florentina...