Achei que era inútil e esperava... ainda espero que ele se lembre, um dia, de que vivo na vizinhança do Rei. A menos que tenha preferido partir para longe.
Virando-se, Luís XI retirou de uma mesa um pouco à retaguarda uma mensagem desdobrada cujo selo quebrado mostrava que já tinha sido lida...
Uma coisa é certa: ele não esteve em Veneza. O doge em pessoa escreveu-nos dizendo que nenhum viajante parecido com ele foi visto na cidade. Quanto aos que se alistaram para combater o Turco nas galeras da Sereníssima, a lista é curta e nenhum desses homens pode ser o conde de Selongey.
Bem! suspirou Fiora. Agradeço ao Rei o trabalho a que se quis dar...
Por Deus, minha querida, ponde de lado essas frases feitas! Estou tão desejoso como vós por pôr a mão nesse tição de revolta, capaz de sublevar de novo a Borgonha que Charles d’Amboise está em vias de pacificar...
O Sire de Craon já não é governador de Dijon?
É um bom servidor, mas é um imbecil e eu preciso de servidores inteligentes. De qualquer maneira, vamos recomeçar as buscas para ver se encontramos o vosso marido...
Por favor, Sire... não façais nada!
Os olhos vivos do Rei, sempre meio cobertos pelas pesadas pálpebras, abriram-se por completo:
Não quereis que o encontre?
Não, Sire. Se os vossos homens o procurarem, ele foge-lhes... ou mata-os. Eu quero... eu espero que ele venha ter comigo por vontade própria, sem que seja necessário lançar-lhe no rasto todos os marechais do reino.
Nesse caso, já cá devia estar!
Isso não é certo. Veio-me à ideia que, depois de deixar Villeneuve, ele pode ter preferido continuar com os peregrinos que o ajudaram sem saber.
Pensais que ele pode tê-los seguido até à Galiza?
Por que não? O burel do peregrino constitui a melhor protecção que um fugitivo pode encontrar. Além disso, o caminho é longo. Isso permite que as coisas acalmem. Enfim, não tinha outra escolha porque, se bem compreendi, não tinha um centavo com ele.
O Rei já não parecia escutar. Os seus olhos seguiam o desenho fantástico das chamas e pôs-se a reflectir em voz alta:
Se ele deixou Villeneuve em Maio, já devia estar de regresso. Salvo qualquer acidente, evidentemente...
Acidente? murmurou Fiora já angustiada.
O caminho de Santiago é longo, penoso e perigoso. Nem todos os que o percorrem regressam vivos. Penso que podemos, como vós desejais, fazer uma trégua nas nossas buscas. Continuá-las-emos se o Inverno não o tiver trazido até nós, entretanto. Mas rezai a Nosso Senhor e à Virgem Maria para que esse homem ouça a voz da razão e venha buscar a paz junto de vós.
Escondia-se na voz pesada do Rei uma ameaça e Fiora ficou suficientemente inquieta para ousar perguntar:
Senão? É a palavra que vem a seguir, não é, Sire?
Sim. Senão, posso deixar de me recordar de uma coisa: que ele é um rebelde e que passo a tratá-lo como tal. E agora deixai-me, minha cara! Estou cansado e queria dormir um pouco. Não vos esquecereis da carta?
Para Demétrios? Escrevo-a assim que chegar a casa e envio-vo-la de imediato!
Obrigado!... Quando for rezar esta noite a Nossa Senhora de Cléiy, peço-lhe que vos conceda a paz que parece ter prazer em fugir-vos. Não me atrevo a pronunciar a palavra ”felicidade”, porque é demasiado frágil... e ninguém sabe, na verdade, onde ela mora...
Uma hora mais tarde, já em casa, Fiora escreveu a Demétrios para lhe dar parte das necessidades do Rei. Terminada a carta, a jovem secou-a, selou-a e chamou Florent para que a levasse a Plessis. Feito aquilo, Fiora escreveu uma outra carta destinada a messer Agnolo Nardí, rue des Lombards, Paris. Era inútil perder mais tempo.
CAPÍTULO VIII
PARAGEM EM BEAUGENCY
No fim do mês de Outubro, Fiora e Léonarde deixaram la Rabaudière sob escolta de Florent, incapaz de esconder a alegria. Não era normal, explicou ele durante a última noite a uma Khatoun em plena crise de ciúmes, que tivesse o prazer de ir abraçar os seus parentes? E o jovem apressou o instante da partida para cortar cerce as comoções e, sobretudo, para não ver mais a jovem tártara, de pé na soleira da casa, apertando ferozmente contra si o pequeno Philippe que, pouco satisfeito com o tratamento, protestava vigorosamente, ao ponto de Péronnelle ter de se intrometer. Os olhos negros chamejavam de cólera e desgosto ao mesmo tempo, enquanto, do alto da sua mula, Fiora dava as suas últimas instruções com o tom alegre de alguém que vai fazer uma viagem de recreio.
A versão oficial era que Agnolo Nardi desejava que ela fosse a Paris para tratar de negócios importantes. Sentindo-se envelhecer, o negociante queria informar a herdeira de Francesco Beltrami do que necessitaria de fazer caso ele desaparecesse. Mentira piedosa, evidentemente, já que os interesses da jovem estavam, naquela época, nas mãos firmes de Lourenço de Médicis. Na realidade, Agnolo escrevera a Fiora dizendo que ele próprio, a sua mulher Agnelle, a sua casa e o seu coração, só desejavam uma coisa: recebê-la de novo e ficar com ela o mais tempo possível. Ambos ignoravam a razão profunda da estadia que Fiora pretendia fazer em Paris.
Péronnelle e Étienne, na simplicidade dos seus corações, não tinham visto nada de extraordinário naquela viagem. Para eles, Fiora, que eles amavam sinceramente, acabara por ganhar as cores de uma bela ave migratória. Só uma coisa tinha importância a seus olhos: a jovem confiava totalmente neles e, graças a ela, não tinham quaisquer preocupações de ordem material. Enfim, junto deles vivia uma criança, dando-lhes a doce ilusão de serem avô e avó.
Para seu pesar, Fiora não pudera despedir-se de Douglas Mortimer. O escocês, cujos serviços o Rei muito apreciava, estava em missão. Queria dizer que toda a gente, salvo Luís XI, ignorava onde ele se encontrava. A este último, a jovem, na manhã da partida, fez chegar uma carta anunciando uma ausência de algumas semanas por razão de negócios. Ela sabia-o suficientemente desconfiado para se permitir deixar a sua vizinhança sem o prevenir. Tendo, assim, tranquilizado a sua retaguarda, Fiora tomou o caminho de Paris com o coração leve, que fez, juntamente com Léonarde, por Tours, Amboise, Beaugency e Orleães.
Uma viagem agradável feita sem pressa excessiva para poupar Léonarde. O tempo de Outono estava bom e se as noites ficavam frescas e por vezes chuvosas, o Sol parecia dar-se ao trabalho de reaparecer todas as manhãs e, de tarde, permitia que as janelas estivessem abertas e que houvesse longas conversas na rua.
Ao aproximarem-se da grande cidade, Fiora apercebeu-se de que sentia impressões diferentes das sentidas três anos e meio antes, quando ali chegara com Léonarde, Demétrios e Esteban. Sob o golpe da morte trágica do seu pai e das cruéis provações que se lhe tinham seguido, ela só desejava um refúgio, um local onde ninguém a conhecesse e onde pudesse recobrar as forças para os combates que jurara travar. Desta vez, concedendo a si própria o prazer de olhar à sua volta, viu que os arredores de Paris pareciam tão aprazíveis como as margens do Loire: planícies e pequenos planaltos cobertos de campos cultivados, outeiros guarnecidos de vinhas ou sarapintados de árvores frutíferas, vales verdes de pastagens, bosques, florestas, castelos mostrando muitas vezes pedras novas e depois, à medida que se iam aproximando, burgos importantes, aldeias aprazíveis e grandes abadias. Até as muralhas da cidade capital pareciam rejuvenescidas, porque Luís XI velava de perto pelas defesas das suas grandes cidades e encorajava os restauros.
Sobre Paris já não pesava, como da primeira vez, a ameaça dos Ingleses. As ruas estavam cheias de vida ruidosa, rica e colorida, onde não ressoava o passo ferrado da tropa em marcha. À excepção dos guardas da porta de Saint-Jacques e das sentinelas postadas nas duas torres, a Petit e a Grand, que dominavam a Petit-Pont e a Pont-au-Change, os viajantes não encontraram uma única cota-de-armas, um único capacete de ferro.
Que bela coisa, mesmo assim, é a paz! observou Florent, dardejando com um olhar assassino um bando de estudantes que assobiaram à passagem de Fiora e lhe enviaram beijos.
Nesse caso, fazei os possíveis para não a perturbar e deixai de vos preocupar com aqueles rapazes!... E fazei com que avancemos um pouco mais depressa! Estou morta por ver as três empenas da casa de messer Nardi!
Passada a Grand-Pont e o barulho dos seus moinhos, o Grande Matadouro e os seus odores abomináveis de vísceras e sangue coagulado, chegaram ao seu destino e as duas mulheres viram com prazer que nada mudara: a bela tabuleta pintada continuava a balouçar majestosamente e as línguas vermelhas dos cata-ventos, sobre os telhados, continuavam a girar suavemente sob o vento da tarde. As janelas de quadrados brilhantes abriam-se como outrora para grandes divisões que cheiravam a cera fresca e a pão quente e na loja do rés-do-chão os empregados, de pena de ganso entre os dedos, continuavam curvados sobre os grandes registos de pergaminho. Mas a aparição de Agnolo Nardi, ao chamamento de Florent que se precipitara para o edifício mal descera do seu cavalo, apertou o coração de Fiora. Na verdade, ela reencontrava o mesmo homenzinho redondo e moreno se bem que um pouco grisalho, mas caminhava apoiado a uma bengala e os olhos da jovem encheram-se de lágrimas. Aquela bengala, apesar de enobrecida com um punho de prata cinzelada, não era menos a prova do que o bom Agnolo tivera que suportar ao serviço de Fiora: a tortura pelo fogo que lhe infligira o impiedoso Montesecco para obter dele o endereço da jovem. Era uma sorte ele poder ainda andar! E foi assim que ele encontrou umas faces húmidas quando Fiora desceu da montada para o abraçar.
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