Nada disse Léonarde. Senão que tudo me parece bem combinado... salvo, talvez, uma pequenina coisa:
Qual?
Eu vou convosco. Está fora de questão deixar-vos ir sozinha! Além disso, acho que precisareis, mais do que nunca, de uma pessoa respeitável junto de vós. E eu? perguntou Khatoun com uma tristeza que irritou Fiora. Eu vou ficar aqui?
Pensava que o meu Philippe era suficiente para te encher os dias? Não te queres ocupar dele? perguntou Fiora com uma certa rudeza. Eu não posso levar toda a gente para assistir ao que vai acontecer em Abril. E é normal que Léonarde me acompanhe.
Tal como no tempo em que era escrava, Khatoun ajoelhou-se e prostrou-se a seus pés:
Perdoa-me! Cometi uma falta grave que te deixou embaraçada e não tenho o direito de reclamar a tua indulgência. Mas tu sabes a que ponto te sou dedicada...
Eu sei disse Fiora mais docemente e levantando-a mas tens de compreender que me é impossível levar meia dúzia de pessoas para casa dos Nardi. Oficialmente, parto em negócios e, nesse caso, não posso levar a casa toda comigo. Se não queres ficar com o meu filho, eu mando chamar Marcelline... mas não te posso levar.
Khatoun ergueu para ela os olhos rasos de água:
Tens razão, claro. Mas, gostava tanto de conhecer o bebé que vai nascer!
Pronto! disse Léonarde. A paixão dela por bebés arrisca-se a arranjar-nos ainda mais sarilhos! Não podes, minha maluca, contentar-te com Philippe?
É que suspirou a jovem tártara ele já é um rapazinho e não é fácil vigiá-lo. Ao passo que um pequenino...
Fiora segurou Khatoun pelos ombros e obrigou-a a fixá-la nos olhos.
Mete isto na cabeça! Não pode haver outra criança, senão é inútil a minha partida! Tens de a esquecer, deixar de pensar nisso! Compreendes? Se tudo acontecer como eu espero, nunca a verás.
Nunca?
Nunca. Porque terei de escolher entre ela e o meu marido e eu nunca renunciarei a Philippe. Portanto, se és incapaz de desempenhar o papel que te destino, diz-me imediatamente!
Que fazes?
Mando-te para junto de serDemétrios. Regressas para a villa de Fiesole e Péronnelle fica com o meu filho. Aliás, talvez fosse a melhor solução. Tu, agora, és livre, livre de te casares e teres filhos teus. Queres regressar a Florença?
Qualquer coisa que se parecia com pavor passou pelos olhos negros da jovem tártara.
Não! Não! Eu não te quero deixar! Eu fico aqui, não tenhas medo. Mas, por piedade, não fiques fora muito tempo!
Há-de ser sempre uma criança! suspirou Léonarde um momento mais tarde. A vida estragou-a, não a preparou para a adversidade...
Não exageremos! Ela passou por momentos difíceis.
Mas passageiros. A sorte acompanha-a desde que nasceu sem que ela se dê conta. Dezasseis anos no palácio Beltrami e depois, de lá, quase directamente para os braços de um marido que a amava. Depois da morte dele, foi vendida, é verdade, mas a quem? A uma grande dama que lhe restituiu, pouco a pouco, a existência a que estava habituada em nossa casa, após o que vos encontrou e regressou para aqui connosco. Para aqui, onde Péronnelle a estraga e mima como se fosse sua filha e onde ela leva uma vida familiar. Compreendestes? Como o nosso Philippe, com quem, segundo vós, ela sonhava, lhe parece agora um pouco difícil, quer outro bebé. Bebés pequeninos e gatinhos, eis o que lhe convém! Ela é capaz de perder a cabeça com essa criança que está para vir e deitar por terra toda a nossa combinação.
Nesse caso, que propondes? Não vou matá-la?
É evidente que não, mas, se estiverdes de acordo, penso inspirar-lhe terror suficiente para que mantenha a língua quieta e aconselho-vos a que digais o mesmo que eu.
Se ela disser uma palavra que seja, volta para Florença, foi o que lhe disse.
Mas não perdeis nada em lho repetir. É preciso que ela fique convencida de que, se falar, será expulsa. Já andam dois ou três rapazes em volta dela e isso não lhe desagrada nada. Basta que um deles a seduza e só Deus sabe o que ela lhe poderá dizer com a cabeça na almofada! A rapariga tem mais temperamento do que imaginais.
Fiora não revelou o que sabia sobre aquele assunto. Recordou Khatoun em casa de Pippa, de joelhos no chão, contorcendo-se sob as carícias da alcoviteira, Khatoun que, na noite seguinte, seguira o homem ao qual a haviam levado porque ele soubera fazer amor com ela. Tudo aquilo não era muito tranquilizador, mas que haviam de fazer?
Nada concluiu Léonarde senão dizer a Étienne e a Florent que a vigiem de perto. O que ela sabe tem demasiadas consequências para que o deixemos à mercê de uma noite de amor.
Fiora não respondeu. Ela gostava muito de Khatoun e tinha inteira confiança nela, uma confiança de que nunca se arrependera, antes pelo contrário. Mas Léonarde conhecia-a quase tão bem e, além disso, possuía uma sabedoria nascida da experiência e sabia que tudo o que era humano tinha limites.
Porém, Léonarde ignorava o que se passava, à noite, na Casa das Pervincas. Depois de ter deitado o pequeno Philippe, Khatoun recusou-se a jantar, alegando que sentia o coração sujo. Sem se deitar, a jovem verteu grossas lágrimas em cima do leito até que, na casa, se deixou de ouvir o menor ruído... Então, a jovem levantou-se, tirou o vestido ficando apenas em camisa e, sem voltar a acender a vela, saiu do seu quarto. Tal como os gatos, era capaz de andar de noite, às escuras.
Subindo as escadas descalça, a jovem atingiu o segundo andar e o quarto na mansarda onde dormia Florent. Uma luz
1 Ver Fiora elourenço, o Magnífico.
amarela filtrava-se pela porta, mas, ao abri-la, Khatoun viu que o jovem adormecera a ler um livro que lhe caíra sobre o nariz. Ela aproximou-se suavemente, retirou o livro com infinitos cuidados, tirou a camisa e ficou ali um instante a contemplar o adormecido. Com ar feliz, ele sorria a sonhar, o que fez com que Khatoun tomasse consciência da sua desolação.
Desatando em novos soluços, ela puxou os cobertores num gesto raivoso e atirou-se contra o corpo nu do rapaz, que abraçou com os braços e as pernas, cobrindo-lhe o pescoço e o queixo com beijos frenéticos. Tendo acordado em sobressalto com aquele assalto, Florent olhou com estupor para a sua assaltante enquanto tentava, frouxamente, verdade seja dita, libertar-se:
Por que não me disseste que vinhas esta noite? Não estava à espera...
Cala-te! Cala-te, peço-te, e faz amor comigo! Preciso muito! Acaricia-me! Possui-me!
Ao sentir a humidade das suas faces e lábios, ele compreendeu que ela chorava-.
O que é que se passa! Por que essas lágrimas?
Ela vai... ela vai partir outra vez! Ela vai-me deixar outra vez...
Quem?
Quem havia de ser?... Fiora, a minha patroa amada. Ela quer-me deixar, quando prometeu que nunca mais nos separaríamos! É aquela maldita Léonarde que ela vai levar...
Para onde? Para onde vai ela, agora que o Inverno está a chegar?
Para Paris, para casa de gente que eu não conheço... E por muito tempo.
Eu conheço-os, são os melhores amigos dela. Além disso, é Agnolo Nardi que lhe gere a fortuna. Mas, que vai ela lá fazer?
Um clarão de temor brilhou no olhar desnorteado da jovem, impedindo-a à justa de uma última confidência que, ela sabia-o, pagaria cara.
Não te posso dizer porque era capaz de morrer, mas faz amor comigo, suplico-te. É preciso que alguém trate de mim e me dê alguma alegria, porque a minha bela Fiora já não quer a sua escrava...
Onde foste buscar isso? indignou-se Florent. Só porque donna Fiora não te quer levar para Paris, achas que vais ficar separada dela para sempre? Tu vais ficar aqui a tomar conta do filho dela, e depois? Sentes-te infeliz?
E Florent tratou de provar a Khatoun que, pelo menos para ele, ela tinha muita importância. Um instante mais tarde, ela ronronava por baixo dele como um gato feliz e as suas lágrimas secavam sob os beijos do rapaz. O pequeno quarto encheu-se de suspiros, aos quais as paredes já estavam acostumadas.
De facto, três dias após a partida de Fiora e de Mortimer, Florent, que entretanto empilhava cuidadosamente fardos de palha para o Inverno, vira Khatoun ir ter com ele. Era um daqueles belos dias de Outono, tépidos, em que o Sol suave provoca alguma humidade na pele e dispõe à preguiça. Enquanto arrumava os fardos odoríferos, o rapaz talvez tivesse bebido um pouco de vinho a mais à refeição pensava, justamente, que seria bom rolar em cima deles com uma rapariga de corpo fresco.
Khatoun tinha um vestido de tela azul por cima de uma gargantilha cujas fitas, um pouco largas, deixavam ver uns ombros suaves. A jovem levava uma bilha de água fresca acabada de tirar do poço, cujas gotas cintilavam ao caírem uma a uma na terra batida. Sem uma palavra, ela deu de beber ao jovem e depois, pousando o recipiente com um meio sorriso como se fosse a coisa mais natural do mundo, pegou-lhe na mão e, olhando-o no fundo dos olhos, levou aquela mão-cheia de poeira a um dos seus pequenos seios redondos e duros, sobre o qual ela se fechou instintivamente.
Khatoun pode refrescar-te de outra maneira murmurou ela. É tão bom fazer amor com este calor! E a palha cheira tão bem!
Um instante mais tarde mergulhavam, os dois nus, no feno perfumado. A pele da pequena tártara era doce e sedosa como cetim cor de marfim e como, astuciosamente, ela roubara um pouco do perfume da sua patroa, o antigo aprendiz de banqueiro teve, ao fechar os olhos, a impressão de possuir aquela Fiora tão bela por quem estava tão perdidamente, tão desesperadamente, apaixonado... E pareceu-lhe delicioso.
Depois, quase todas as noites a menos que o pequeno Philippe não precisasse de Khatoun os dois jovens juntavam-se no quartito do rapaz para empreenderem jogos ardentes, dos quais tiravam um prazer cada vez mais arrebatado. Khatoun sabia que Florent não a amava verdadeiramente, assim como Florent sabia que não podia haver amor em casa da sua patroa, mas aquele amor, se bem que diferente, claro, que ambos sentiam por Fiora levava-os a unirem-se. Florent era jovem, bem constituído e naturalmente ardente. Quanto a Khatoun, o amor era para ela uma questão de instinto, como para muitas filhas da Ásia. Ela sabia satisfazer um homem sem deixar de guardar para si a sua dose de prazer, porque recebera do seu marido, o médico romano, as melhores lições. Quanto ao jovem parisiense, perdida a inocência em casa de uma prostituta das margens do Loire, descobriu, com a pequena tártara, um mundo de sensações inimagináveis. Conseguindo com ela feitos de que se julgava incapaz, tinha por ela um reconhecimento ingénuo. Graças a Khatoun, Florent achava-se um daqueles homens privilegiados pela natureza, dignos de se tornarem amantes de uma rainha.
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