Os seus homens obedeciam-lhe com extrema prontidão e, num instante, uma meia dúzia de bandidos que ele, aliás, reconhecera e chamara pelo nome, balançava nos ramos de um velho carvalho. Os seus gritos e súplicas nem sequer fizeram pestanejar o impassível justiceiro. Apenas o chefe, que respondia, aparentemente, pelo nome poético de Tordgoule, vivia ainda e esperava o seu destino de joelhos e em camisa junto das pernas do cavalo de Tristan L’Hermite. Um dos soldados, de pé a seu lado, segurava na mão a ponta da corda que lhe tinham passado pelo pescoço...
Enquanto ajudava Léonarde a lavar-se o melhor possível no pequeno regato, Fiora não podia deixar de observar com algum temor aquela estátua de ferro que, para além da ordem inicial, ainda não tinha articulado uma palavra.
Mas quando o último corpo foi precipitado no vazio, o grande preboste manobrou lentamente a sua montada de maneira a manter Tordgoule sob o seu olhar:
Agora é a tua vez! Quem te deu ordem para matar estas duas mulheres?
Não sei, monsenhor! Não o conheço, juro-vos!
A sério?
A um simples gesto do preboste, um dos seus homens aproximou-se com um archote, ao mesmo tempo que dois outros se apoderavam do miserável e o deitavam na erva. A chama aproximou-se o suficiente dos seus pés nus para desencadear um uivo desesperado:
Nãããããããão!
Então, fala!
Pela minha vida... eterna... juro... que estou a dizer a verdade... Um homem mascarado foi ver-me... antes de ontem... na taberna... perto do matadouro de Areis...
Um novo uivo rasgou a noite e Fiora tapou as orelhas:
É preciso mesmo fazer isso? perguntou ela.
Este homem queria degolar-vos, a vós e à dama Léonarde
disse Mortimer com um encolher de ombros um tudo nada desdenhoso. Acho-vos um tanto sensível.
O supliciado, para tentar comover o seu algoz, tomou como testemunhas todos os santos do Paraíso e jurou que não podia acrescentar nada ao que já tinha dito: o homem mascarado entregara-lhe uma bela soma em ouro e prometera outro tanto uma vez a obra acabada. Deveriam esperar, naquela clareira, ao anoitecer, uma certa carroça contendo duas mulheres. Antes, deveriam abrir uma fossa suficientemente grande para conter dois corpos e enterrar nela as duas mulheres. Tordgoule daria uma bolsa ao cocheiro e regressaria a Tours para receber o resto do combinado.
Um violento agitar de vegetação e um galope vindo do interior da floresta interromperam a confissão entrecortada do homem: os guardas do grande preboste traziam de volta a carroça que tinham detido antes que ela tivesse atingido a estrada de Loches e a caravana do núncio. Um soldado conduzia os cavalos e Pompeo, solidamente amarrado, foi tirado da viatura sem qualquer suavidade e atirado para diante do grande preboste. A bolsa que recebera uns momentos antes juntou-se às dos vagabundos, formando um pequeno montículo na erva.
Como o homem parecesse não compreender as perguntas que L’Hermite lhe fazia, Tordgoule encarregou-se da tradução sem esperar que uma das duas damas fosse requisitada como intérprete.
Eu tinha ordens para travar conhecimento rapidamente com um dos palafreneiros, ou dos cocheiros do cardeal para combinarmos as coisas, mas já conhecia esse aí. A ideia de ganhar um pouco de ouro agradou-lhe de imediato. Ainda por cima porque não haveria qualquer perigo... Bastaria fazer um desvio e regressar, depois, à escolta. Ao anoitecer, ninguém veria grande coisa...
Pára de fazer troça de nós, amigo interveio Mortimer.
O núncio não acharia estranho que, ao chegar a Loches, a carruagem das damas estivesse vazia?
O escocês desembainhara a sua espada e apoiava a ponta na garganta de Pompeo que, de má vontade, mas porque acabava de ver a sua morte nos olhos daquele gigante, acabou por responder:
Seria fácil. Eu deveria dizer que as damas, tendo encontrado amigos em Cormery, tinham decidido não voltar a partir. Eu deveria agradecer muito em nome delas e...
E guardar o conteúdo da viatura? Ou o teu senhor é cúmplice deste golpe sujo, ou é um imbecil. O que me custa a acreditar...
Juro que não sei nada disse o outro sombriamente. Ele é um homem de Deus, um verdadeiro príncipe da Igreja...
Temos de esclarecer isto, messire Tristan continuou o escocês, retirando a espada e fazendo sinal para afastarem o prisioneiro. O cardeal está em Loches a esta hora. Devíeis fazer-lhe umas perguntas...
É essa a minha intenção. Suponho que levais vós as damas para sua casa?
Se elas se sentirem com coragem. Se não, elas podem pedir asilo por uma noite na abadia de Cormery. O Rei dá para lá dinheiro suficiente para que os seus servidores e os seus amigos sejam recebidos convenientemente.
Creio disse Fiora que é melhor escolhermos Cormery. A minha querida Léonarde já não pode mais e eu confesso que apreciaria um pouco de repouso.
Avançando até ao flanco do cavalo do grande preboste, ela estendeu-lhe uma mão que ainda tremia um pouco:
Muito obrigada, messire! Ignoro, ainda, por que milagre nos pudestes salvar, mas podeis estar certo que nunca mais o esquecerei e que direi ao Rei...
Vós não direis nada ao Rei, Madame!
Num movimento de uma rapidez e ligeireza inesperadas num homem daquela idade, Tristan L’Hermite pusera pé em terra para poder saudar a jovem:
Como? disse Fiora.
Se adquiri alguns direitos com o vosso reconhecimento, Madame, peço-vos a graça, mais por vós do que por nós, de não dizerdes nada ao nosso sire sobre o que aconteceu aqui esta noite.
Mas... porquê?
Mortimer interveio:
Ele tem razão, as verdades nem sempre se podem dizer. Se aquele em quem ambos pensamos está na origem desta maquinação, não seremos ouvidos, o Rei recusará acreditar em nós...
Sim cortou Tristan I’Hermite precisamos de provas...
Provas? conseguiu dizer Fiora, que quase sufocou. Mas, faltam algumas nesta clareira? Tendes esses dois homens! E o que vos poderá dizer o cardeal. E tendes a minha palavra, enfim, e a da dama Léonarde!
Fizestes bem em mencionar as vossas pessoas em último lugar disse Mortimer um tanto ambiguamente. Sois precisamente vós as que contarão menos. As mulheres, para o Rei Luís, são palradoras incuráveis, dotadas de uma imaginação diabólica... e a personagem pertence ao seu séquito.
Vós achais que... começou Fiora, que acabava de ter uma ideia. Mas o grande preboste impôs-lhe silêncio:
Nada de nomes, Madame! Deixai-me tratar deste assunto à minha maneira e recebei as minhas saudações. Quereis um dos meus homens para vos acompanhar?
É inútil! disse Mortimer. Eu encarrego-me... e agradeço-vos por terdes acreditado em mim, messire grande preboste! E também por me terdes ajudado.
A sombra de um sorriso distendeu fugitivamente o rosto severo de Tristan l’Hermite.
Não fiz mais do que cumprir os deveres do meu cargo, jovem, mas confesso que sou sensível à amizade. Em tempos... há muito tempo, dediquei-me, tal como vós, ao serviço de uma dama... muito bela!
Vós, messire? Uma dama? murmurou Mortimer, sinceramente espantado.
Surpreende-vos, não é? O grande justiceiro, o senhor dos carcereiros, da polícia, dos carrascos? Ela chamava-se Catarina de... mas ficai descansado! Não era eu que a amava. Mas, agora, parti! Ver-vos-ei de novo em Plessis!
Douglas Mortimer ajudou Léonarde e Fiora a subirem de novo para a viatura e depois, após ter prendido o seu cavalo na traseira do veículo, saltou para a boleia. Enquanto o escocês virava pesadamente a pesada carroça para retomar o caminho já percorrido, Fiora lançou um último olhar à clareira onde a fossa ainda aberta guardava os vestígios do horror que ela e Léonarde acabavam de viver. Dois soldados estavam a tapá-la No meio do duplo círculo de archotes e armaduras, Tristan l’Hermite, de novo na sua sela, observava-os, tão imóvel como uma estátua equestre. Junto dos cascos do seu cavalo, Pompeo e o outro bandido tremiam e choravam, mas ela não sentiu qualquer piedade. O seu espírito e o seu coração estavam gelados. A jovem nem sequer sentia o medo retrospectivo. Tudo o que povoava o seu espírito era uma imensa decepção. O sonho acariciado há três dias, a esperança de reencontrar Philippe, mesmo doente, mesmo inconsciente e de o levar para junto do seu filho, acabava de se transformar numa sinistra decepção. Tinham-na enganado e agora regressava a casa com a alma cheia de amargura e as mãos vazias...
Serei assim tão pobre de espírito, ao ponto de me poderem enganar com tanta facilidade? murmurou ela sem se dar conta de que acabava de pensar em voz alta.
É evidente que não respondeu Léonarde cuja mão procurou a sua mas tudo que diga respeito ao vosso coração atinge o seu objectivo. E vós quereis tanto encontrar Messire Philippe!
Reprovais-mo?
Eu? Deus é testemunha! Sabeis muito bem que o meu maior desejo é ver-vos, enfim, feliz. Mas não consigo compreender como aquele homem pôde saber que o vosso marido se evadiu de Lyon.
Aquele homem? Quereis dizer, o cardeal?
Sim, infelizmente! suspirou a velha solteirona. Não consigo deslindar o papel dele nesta armadilha infame.
Segundo os seus cúmplices, ele não sabia de nada, ou quase nada. O que é difícil de acreditar...
De qualquer maneira, não possuímos nenhuma resposta válida para essa pergunta, nem para algumas outras, aliás. O jovem Mortimer poderá dar-nos algumas e pode ser que aquele Tristan L’Hermite consiga que monsenhor della Rovere confesse!
Achais que sim?
Parece possível, porque ele é um homem terrível. Além disso, em Loches, ele deve dispor dos meios suficientes para o fazer falar.
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