Então, Florent? perguntou Fiora, sorrindo. Já não me reconheceis?
A primeira surpresa passou e, subitamente, as pupilas do jovem iluminaram-se, ao mesmo tempo que um verdadeiro urro de alegria se escapava da sua garganta:
Dama Léonarde! Péronnelle! Étienne!... Depressa! Venham depressa! Venham todos! A nossa dama regressou!
E como ninguém, aparentemente, o ouvisse, atirou com a criança para os braços de Fiora e desatou a correr na direcção da casa gritando a plenos pulmões:
A nossa dama regressou! A nossa dama regressou! Aquela brusca mudança não foi do agrado do jovem Philippe,
que protestou energicamente. A sua pequena boca redonda abriu-se enormemente para um ”Uinn.. in., in...!” vigoroso, que terminou num dilúvio de lágrimas!
Meu Deus! gemeu Fiora meti-lhe medo! Desolada, a jovem não ousava apertá-lo contra si e cobrir de beijos os pequenos caracóis castanhos e sedosos que lhe cobriam a cabeça, como morria de desejo.
Mas não, ele não tem medo de ti disse Khatoun. Foi aquele rapaz imbecil que o agitou demasiado. Espera!
A jovem pôs-se a agitar as mãos e a fazer caretas, coisa que pareceu espantar a criança. Esta parou de chorar e depois, quase sem transição, desatou a rir.
Estás a ver? Acabou o desgosto, em breve vai compreender que és a sua mamã.
O pequeno olhava agora para aqueles dois rostos tão diferentes que lhe sorriam. Fiora aconchegou-o ternamente nos braços e começou a embalá-lo suavemente:
Meu bebé!... meu bebezinho! Como tu és belo!
Com os lábios, ela tentou apanhar em voo as duas mãozinhas que se agitavam diante do seu rosto, procurando apanhar um canto do véu branco ou uma mecha de cabelos. Finalmente, Philippe escolheu o nariz da mãe e puxou-o com decisão.
Mas, ele já é tão forte! exclamou ela, rindo e chorando ao mesmo tempo... Oh, Khatoun, como pude ficar tanto tempo longe dele?
A jovem tártara não teve tempo de dar uma resposta a uma pergunta que, aliás, não a pedia: qual bando de pardais, os habitantes da casa corriam ao seu encontro. As pernas de Léonarde não valiam as dos seus companheiros, mas ninguém se atrevia a ultrapassá-la naquela corrida de boas-vindas. Pelo contrário, Florent e Marcelline, a ama da criança, apoiavam-na e foi ela que, em primeiro lugar, caiu nos braços de Fiora, precipitadamente desembaraçada do seu filho por uma Khatoun que só esperava aquilo, encantada por conhecer, finalmente, o ”bebé Philippe”.
Durante uns momentos foi tudo abraços, saudações, apertos de mão, exclamações de alegria e desejos de boas-vindas. Léonarde que, qual cornetim numa batalha, chorava como uma fonte enquanto apertava contra o coração o ”seu cordeirinho”, abraçou Khatoun quase tão calorosamente, o que surpreendeu a rapariga, pouco habituada a tais demonstrações vindas daquela ”donna Léonarda” que ela sempre achara um pouco severa de mais.
Deus permitiu que vos reencontrásseis declarou Léonarde que o Seu nome seja abençoado e que esta casa, onde vais viver doravante, te seja doce! São os belos dias de antigamente que regressam contigo!
E voltou a abraçá-la para melhor mostrar a alegria que sentia por voltar a vê-la. Étienne Lê Puellier e a sua mulher Péronnelle, respectivamente intendente e cozinheira do pequeno domínio, tinham, também, lágrimas nos olhos por reverem uma jovem patroa por quem sentiam uma amizade próxima da afeição. Quanto ao jovem Florent, ex-aprendiz de banqueiro nos estabelecimentos de Agnolo Nardi, em Paris, e agora jardineiro e braço direito de Étienne, contemplava Fiora de mãos unidas e olhar maravilhado, sem procurar enxugar as abundantes lágrimas que lhe corriam pelo bibe de tela azul: os seus sentimentos por Fiora não eram segredo para ninguém e dar com ele em êxtase não tinha nada de surpreendente.
Apenas Marcelline, a ama, que não tivera tempo de conhecer a mãe do seu filho de leite, mostrou alguma moderação e declarou que se sentia feliz por a ”Senhora Condessa” estar de regresso, mas apressou-se a tirar o pequeno Philippe dos braços de Khatoun, esforçando-se por fulminá-la com o olhar. Ao ver os cantos dos lábios da sua antiga escrava curvarem-se de decepção, Fiora compreendeu que iria ter dificuldades por aquele lado e, para pôr toda a gente de acordo, exclamou:
Deixai-o um pouco comigo, Marcelline! Há meses que não o vejo...
É que ele é muito pesado, Senhora Condessa! E depois de uma viagem tão longa...
Ainda sou capaz de suportar esse fardo disse ela com bom humor. Há tanto tempo que sonho com isto!
E, segurando orgulhosamente o seu filho nos braços, pôs-se a caminho de casa, para onde já tinha desaparecido Péronnelle, gritando que ia preparar o melhor jantar da terra. Léonarde e Khatoun enquadravam Fiora, seguidos por Étienne e Florent com os cavalos pela brida, que conduziriam à cavalariça depois de os terem desembaraçado das bagagens e dos arreios. Marcelline resolveu juntar-se a Péronnelle para a ajudar nas tarefas da cozinha.
Léonarde não cessava de contemplar Fiora, como se tivesse medo de a ver dissipar-se, como um sonho, com os últimos raios de sol. Visivelmente, transbordava de perguntas e não resistiu muito tempo à vontade de fazer a primeira:
De onde chegais assim, meu cordeiro?
Ides ficar surpreendida, minha Léonarde: venho de Florença, onde vi o nosso amigo Commynes. E foi Douglas Mortimer que nos trouxe...
De Florença? Mas... como fostes lá parar? Não foi uma grande imprudência?
Não, as coisas mudaram muito! Oh, minha amiga, tenho tantas coisas para vos contar que nem sei por onde começar!
O mais simples não será pelo começo? Quando fostes raptada, por exemplo...
Sem dúvida, mas e Fiora baixou a voz o que vivi durante aqueles meses não pode ser ouvido por todos os ouvidos. E peço-vos um pouco de paciência, até que fiquemos sós, logo à noite. Como recompensa, quero que me respondais imediatamente à pergunta que me atormenta desde a minha partida para Itália: sabeis onde está Philippe?
Philippe? Mas... tende-lo nos braços!
Apoiando a face na pequena cabeça, Fiora pousou nela um beijo pleno de doçura e ternura.
Ele não, Léonarde... o pai!
Os olhos da velha solteirona dilataram-se sob o efeito de um medo subitamente mesclado de angústia, que Fiora não teve qualquer dificuldade em traduzir: a sua segunda mãe estava a perguntar a si própria se ela regressava com o juízo todo.
Não vos inquieteis, eu não estou louca! Mas vejo que a vossa ignorância é igual à minha antes do meu encontro com Commynes. Foi ele que me disse a verdade.
Qual verdade?
A única aceitável, acho eu: a execução do meu marido não teve efeito e Philippe deixou o cadafalso vivo... mas para ir para onde? Eis o que Commynes não me soube dizer.
Léonarde franziu o sobrolho e a sua mão pousou-se no braço de Fiora como que para a deter perante um perigo:
Ou não quis. Tende cuidado, minha filha! Pode tratar-se de um segredo de Estado, do qual só o Rei possui a chave! Talvez seja melhor falar disso por trás de portas fechadas! Algumas palavras não foram feitas para voar com o vento.
Tens razão! Falaremos disso mais tarde!
E, apertando ternamente contra o peito o bebé que chilreava, Fiora transpôs, finalmente, a soleira da Casa das Pervincas onde, de momento, cheirava a frango assado.
Naquela noite, Fiora decidiu que toda a gente jantaria na cozinha a despeito dos protestos indignados de Péronnelle, que via fugirem-lhe, de repente, as suas prerrogativas de castelã. Fiora não a quis ouvir:
Há meses que sonho regressar a esta casa disse ela mas, sem vós, ela não passa de uma concha vazia e eu preciso de vos sentir à minha volta. Além disso, Péronnelle, eu sei de muitos salões de castelos que não chegam aos calcanhares da vossa cozinha.
Foi assim que se encontraram todos em redor da longa mesa de carvalho encerado, sobre a qual Léonarde estendeu uma toalha de tela fina que Florent, para honrar a recém-chegada, ornamentou com camadas de pequenas rosas e pervincas. Toda a gente se instalou alegremente em redor de algumas das especialidades de Péronnelle, desde os patês de salmão, de enguia e de galinha-do-mato, os finos chouriços enrolados em pão, um suculento assado de javali com groselhas, umas deliciosas filhós de flor de acácia, compotas variadas e umas farófias de caramelo e amêndoas, aos pequenos queijos frescos pousados em folhas de videira e servidos com especiarias. Naturalmente, Étienne mergulhara na cave para dela extrair alguns jarros dos seus melhores vinhos de Orleães ou de Vouvray.
Fiora falou, claro, muito mais do que os outros convivas, se bem que não se privasse de fazer perguntas acerca do que se passara durante a sua ausência. Todos estavam ávidos por saber das suas aventuras depois da noite trágica em que Montesecco a raptara com ordens do Papa para a levar cativa para Roma. No entanto, a narrativa levantou alguns problemas à narradora. Não podia chocar os sentimentos profundamente religiosos daquela gente corajosa, nem contar-lhe pormenorizadamente a sua vida durante aqueles dias. A jovem teve de atalhar, suprimir, embelezar certas passagens, insistindo, assim, na estadia no convento de Santo Sisto em vez de na estadia no palácio Bórgia, passar em silêncio pelo casamento com Carlo e, sobretudo, pelo episódio apaixonado vivido com Lourenço. Evidentemente, foi impossível evitar o assassínio de Giuliano na catedral de Florença e Fiora viu enevoarem-se, então, os rostos, ao mesmo tempo que as mãos desenhavam um rápido sinal da cruz.
É ao nosso sire, o Rei disse ela em conclusão que devo o facto de ter podido regressar para junto de vós sem obstáculos. O meu reencontro com o embaixador, em Florença, proporcionou-me, por fim, todas as facilidades que eu esperava para poder regressar a França.
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