Após o regresso dos seus hóspedes à cidade, Fiora tomou Demétrios pelo braço e levou-o para o jardim. Naquele começo de Verão, este encontrava-se na plenitude do seu desenvolvimento e ao acariciar com os olhos os tufos de rosas e os grandes ramos de loureiros carregados de flores, a jovem sentiu o seu coração apertar-se um pouco. De repente, aquele local, assim como a casa, tomava o aspecto frágil e ameaçado das coisas que se vão abandonar dentro de pouco tempo. Ao ver uma lágrima perlar-lhe as pestanas, Demétrios, que a observava sem que ela disso se apercebesse, apertou com força o braço pousado no seu:

Tens pena de partir?

Um pouco, sim... No entanto, não imaginas a pressa que tenho para me juntar a Philippe. Temos tanta felicidade estupidamente desperdiçada para recuperar. Cada vez me é mais difícil compreender-me a mim mesma... É como se houvesse duas mulheres a viver dentro de mim...

Não é ”como se”. É uma certeza. Tu amas Florença por causa das raízes de uma infância e de uma adolescência felizes e amas o teu marido por causa da maravilha de um amor apaixonado.

E se sofres por partir, é porque temes um pouco o que te espera. Tenho razão?

Tu tens sempre razão. Nós conhecemo-nos tão pouco, Philippe e eu e, no entanto, somos capazes de provocar tanto sofrimento mútuo!

Queres dizer que, se não fosse o teu filho, hesitarias em partir?

Não, não, nem por um instante! A minha vida é Philippe e sejam quais forem as provações, nunca renunciarei a ele.

Os passos dos dois passeantes tinham-nos conduzido à parte baixa do jardim, até junto da gruta que Demétríos apontou com o queixo:

E... este?

Ele esquecer-me-á. Tanto mais depressa quanto vai ser preciso defender a cidade. Além disso, elas são numerosas, as florentinas que sonham com ele. Bartolommea del Nasi... e quantas mais?

Talvez tenhas razão. E tu és capaz de o esquecer?

Nunca... no entanto, já o esqueci.

Eis uma resposta interessante, mas talvez um pouco difícil de compreender! Mesmo para um homem que pensava conhecer as mulheres!

Sem dúvida porque é difícil de explicar. Lourenço permitiu que eu sofresse menos de uma ferida que eu acreditava ser incurável e que o era. Simplesmente, devolveu-me o calor e o gosto pela vida, assim como eu o ajudei a acalmar o sofrimento causado pela morte do irmão.

E... se ele desejasse ficar contigo contra tudo e contra todos?

Queres dizer... à força?

Por que não?

Não. Ele não. Tu sabes que ele gosta de dizer que é preciso ter pressa para se ser feliz, porque nunca se sabe o dia de amanhã. Ele sabe agarrar o momento presente e gozá-lo intensamente. Mas não sei se ele compreendeu que... o amanhã chegou.

Demétrios não respondeu. Durante um momento, ele e Fiora caminharam em silêncio até ao olival que se estendia pela parte baixa do jardim e que marcava o seu limite. Caminharam os dois por um instante sob a folhagem prateada e depois o Grego deteve-se junto de um tronco nodoso, partiu um pequeno ramo de onde pendia um pequeno fruto verde e olhou-o por um instante antes de o estender à jovem:

Guarda este ramo preciosamente: para que te lembres de mim.

Tu... vais-me deixar partir sozinha? perguntou ela, subitamente contristada. Esperava que tu e Esteban regressásseis também a França?

Não, Fiora. A vagabundagem terminou para mim. Estou demasiado velho e se tu me permitires continuar a viver nesta casa com o meu fiel Esteban, não pedirei mais nada à vida. E depois... não sei se a dama Léonarde estará disposta a dar um banquete em minha honra.

Ela ficará tão feliz por me ver que te acolherá de braços abertos. No fundo, creio que ela gosta muito de ti.

Vê se perdes esse hábito de emprestar aos outros os teus sentimentos! Léonarde nunca gostou de mim e creio, até, que tinha medo de mim. Talvez com alguma razão, mas a questão não é essa. Eu quero ficar aqui, porque este belo país é o que se parece mais com o meu... e foi aqui que, por fim, encontrei a paz.

Com a ponta do dedo, Fiora acariciou o pequeno ramo e depois sorriu:

A paz cujo símbolo acabas de me oferecer?

Sim, e é mais sério do que pensas. Prometes-me uma coisa, Fiora?

Se quiseres.

Quero muito. Primeiro, não digas a Lourenço o que me disseste. Se calhar, ele ama-te mais do que pensas e, de qualquer maneira, é demasiado orgulhoso para aceitar ser um último recurso.

Eu nunca disse isso! exclamou Fiora, indignada.

Talvez, mas, grosso modo, foi esse o sentido das tuas palavras. Além disso...

É uma promessa dupla, então?

Não de todo, as duas resumem-se numa só: o silêncio. Nunca dirás a Philippe de Selongey que o Médicis foi teu amante.

Eu quero preservar a tua vida, mais do que a tua paz. Ele é capaz de te matar.

Ele não me perdoou por causa de Campobasso?

Eu desconfio desses perdões e não juraria que ele não voltará a falar disso. Portanto, peço-te, nada dessas confidências de travesseiro de que vocês, as mulheres, têm a mania! Eu conheço bem o teu marido: ele ama-te apaixonadamente. Pode ter passado uma esponja sobre... os acasos da guerra, mas não perdoará à mãe do seu filho por se ter consolado nos braços do Magnífico. Mesmo que ela tenha acreditado ser sua viúva. Prometes?

Prometo. Tu és mais sábio do que eu.

Mais uma coisa: tens a certeza de que não estás grávida? Fiora ficou tão verde como o pequeno ramo que acabava de meter no corpete. Nem por um instante imaginara, no decurso das horas ardentes vividas com o seu amante, que aquilo pudesse acontecer...

Eu... eu não creio. Não.

Basta olhar para ti para ver que não tens a certeza. Portanto, escuta-me bem: daqui a pouco vou dar-te uma poção. Ao menor sinal de gravidez, bebes o conteúdo de uma só vez com um pouco de mel. Ficarás doente de morte durante dois dias, mas, depois, poderás, sem medo, enfrentar o olhar do teu marido!

E isso não é... um crime?

Do alto da sua estatura, o grego olhou para a jovem cujos admiráveis olhos cinzentos se erguiam para ele carregados de incerteza, mesmo de medo. Nunca estivera tão bela. Simplesmente vestida de fina tela branca bordada com pequenas flores por causa do calor e com os cabelos erguidos, fazendo uma grande trança que deslizava ao longo do ombro, era a própria imagem da Primavera. O seu rosto, cuja palidez um pouco rosada ela protegia com a ajuda de um guarda-sol de seda, tinha a delicadeza de uma camélia e o seu longo pescoço uma graça infinita. Através do repouso, dos cuidados e da paixão atenta de Lourenço, o corpo esbelto e nervoso parecia ter-se polido, adoçado, e exalava aquela sensualidade involuntária que, juntamente com uma beleza excepcional, é própria daquelas raras mulheres capazes de mudar a face de um reino. E Demétrios pensou que o Magnífico, com quem tantas belas criaturas sonhavam, teria, talvez, alguma dificuldade em esquecê-la. Mais tarde, aliás, teria essa confirmação no decurso das suas numerosas conversas com Lourenço.

Possuir Fiora é possuir toda a beleza do mundo. Os antigos Gregos teriam feito dela uma estátua divina, mas é preciso tê-la tido nos braços para perceber o brilho doce que ela atinge no amor e nenhuma mulher me deu o que recebi dela...

O silêncio do seu amigo inquietou a jovem:

Então? Não respondes? Não é um crime contra a natureza expulsar uma criança do nosso corpo?

Sim. É um crime, mas aquele que, por ciúme, te matasse, cometeria um ainda maior... e destroçar-me-ia o coração. Portanto, guarda para ti o que o teu marido não precisa de saber.

De regresso ao terraço delimitado pelos muros da villa, Demétrios e Fiora encontraram Carlo muito ocupado a instalar umas colmeias com a ajuda do jardineiro. O jovem gostava de abelhas e interessava-se desde sempre pela sua vida e criação. Gostava de repetir que as de Trespiano davam um mel sem rival em toda a Toscânia. Vestido com um bibe de tela, de socos, com as mangas arregaçadas, os cabelos em desordem e o rosto corado, terminava a quarta colmeia destinada às abelhas e parecia totalmente feliz.

Nenhuma força humana teria conseguido convencê-lo a tomar parte no pequeno-almoço que Fiora oferecera aos amigos Commynes e Mortimer:

A mim, chega-me o que o escocês pensa de mim dissera ele a Fiora à guisa de desculpa. Não quero que o embaixador me veja junto de ti. Sentir-me-ia... muito infeliz.

Porquê? O nosso casamento é nulo, já o sabeis, mas nós continuamos unidos por uma verdadeira afeição. Eu nunca tive um irmão, Carlo, tendes de aceitar esse papel!

Que fiz eu, meu Deus, para merecer tanta alegria? Nenhuma mulher terá tido um irmão tão ternamente dedicado. Mas não me peçais para comparecer a essa refeição.

Ao ver aproximarem-se os passeantes, ele afastou com o braço as mechas húmidas de cabelo que se lhe colavam à testa e fez-lhes um sinal jovial. Desde que reencontrara a vida campestre, Carlo parecia menos enfezado e o seu longo rosto pálido retomava, pouco a pouco, as cores da saúde.

Tu não podes levá-lo para França, pois não? murmurou o grego.

No entanto, seria a melhor solução. Não esqueças que as pessoas pensam que ele está morto...

Ninguém virá aqui procurá-lo enquanto Lourenço e eu formos vivos. Lá em baixo, estaria como um peixe fora de água. Só a natureza deste sítio lhe pode dar as alegrias simples de que ele necessita. Além disso, ele possui uma grande sede de cultura e eu creio ser capaz de saciar, em parte, essa sede.

Por outras palavras, entre ele e eu, escolheste-o a ele? concluiu Fiora, sorrindo. Fico cheia de ciúmes.

Se assim fosse, sentir-me-ia imensamente lisonjeado. Mas, a sério, é melhor que nós, ele, Esteban e eu, fiquemos aqui. Mesmo por ti, porque, vê lá tu, ninguém pode dizer nem mesmo tu o que te espera em França. Talvez a felicidade, o que eu desejo de todo o meu coração, mas também outras provações, porque os tempos que vivemos são sem piedade. É bom que saibas que tens aqui a tua casa e os seus guardiães: uma espécie de família sempre pronta a acolher-te... E agora vamos ver como vai o trabalho de Carlo!