Mas, ela tem razão, a marota! Sabes, minha bela acrescentou ele estendendo para a face de Fiora um grande dedo que ela evitou como se fosse uma vespa tu interessas-me cada vez mais e quando o meu tio tiver acabado contigo, talvez,possamos...
Absolutamente não! cortou Fiora. Vós não me interessais. Acabemos com isto e já que decidistes meter-me na prisão, vamos embora e não se fala mais nisso!
Não, minha senhora, suplico-te! exclamou Khatoun, que desatou a soluçar enquanto se agarrava ao braço de Fiora. Não o provoques. Não te podem meter na prisão.
Chega berrou Riario. Vai ter com a condessa, se não queres que te levem lá a golpes de chicote! E não esqueças que é a mim que pertences. Paguei por ti muito dinheiro. Levem-na!
Dois criados agarraram na pequena escrava que chorava e se debatia, suplicando que a deixassem seguir o mesmo destino da sua antiga senhora.
Não lhe façais mal disse Fiora, comovida. Ela é tão nova e tão frágil. Acabará por me esquecer.
Não te atormentes por causa dela; a minha mulher gosta mais dela do que dos cães, ou da ama negra. Mas, no fundo, a rapariga tem razão. Por que te hei-de meter na prisão? Aqui não faltam quartos. Ficarias melhor num deles enquanto esperas que te conduza perante o Santo Padre.
À medida que se ia familiarizando, o seu tom natural ia vindo ao de cima e reaparecia o funcionário rabo-de-saia alfandegário dos cais de Savone. O verniz estalava tanto mais depressa quanto mais longe Riario ia ficando dos ouvidos da sua mulher. Rígida de desprezo, Fiora dardejou-o com um olhar gelado:
Qualquer prisão é preferível à hospitalidade de um homem como vós. Por conseguinte, agradeço-vos que mantenhais a devida distância de mim. Eu não sou uma das vossas cortesãs, mas sim a condessa de Selongey, viúva de um cavaleiro do Tosão de Ouro!
Belo nome! Aproveita-o enquanto é tempo! Algo me diz que não vais poder usá-lo por muito mais tempo... Mas já que a senhora Condessa prefere a prisão acrescentou ele com uma saudação grotesca vou ter a felicidade de a conduzir eu próprio à cela!
CAPÍTULO X
CARLO
Foi precisa muita coragem da parte de Fiora para não desanimar com a fúria e o desencorajamento que se apoderaram dela quando, enquadrada por guardas, seguiu Riario ao longo da interminável rampa em espiral que subia pelo interior do castelo de Saint-Ange e ia dar aos terraços, aos aposentos do governador e também às prisões. Desde a sua chegada a Roma que não fazia outra coisa senão deslocar-se em redor da fortaleza papal e se, finalmente, estava nela confinada era porque lhe estivera, sempre, destinada. Tantos esforços para chegar ali! Dava, quase, vontade de rir, se o episódio que se desenrolara em casa de Anna, a judia, não tivesse inspirado à jovem reflexões estranhas. Por que razão insistira a condessa Catarina em levá-la para sua casa quando se dispunha a abandonar Roma? Por que razão, sobretudo, a escutara e seguira? A mulher de Riario podia muito bem tê-la posto ao corrente do perigo que ameaçava os Médicis levando-lhe os meios para os prevenir sem necessidade de a levar para sua casa? Teria agido preocupada com a sua saúde, ou levada, por uma mão muito mais segura, para uma armadilha sabiamente estendida? Uma armadilha na qual era impossível meter Khatoun. A pequena tártara não tinha, certamente, nada que se lhe reprovasse, senão, talvez, ter confiado à sua nova patroa o nome da amiga que ia visitar!
O cortejo desembocou, por fim, num terraço encimado por um caminho de ronda ameado onde velavam alguns canhões. Uma casa da guarda, iluminada do interior, difundia uma luz amarela que não diminuía em nada o lado sinistro do local. Uma luz débil, sem dúvida uma vela, aparecia nas janelas dos aposentos do governador, em frente do qual dois soldados, apoiados nas suas lanças, estavam meio adormecidos, ameaçando a cada instante cair sobre o monte de balas de pedra que esperavam um ataque hipotético. Sobre tudo aquilo reinavam, bem erguidos contra o céu e quase aos pés do Arcanjo, os aposentos reservados ao Papa no caso de esses acontecimentos desagradáveis o forçarem a procurar um refúgio. Na muralha havia um balcão embutido, que lhe dava uma aparência mais agradável
O aparecimento do conde Riario acordou a casa da guarda e as sentinelas. Sabendo que o governador, bastante doente, estava acamado, ele pediu para chamarem o vice-governador, um albanês chamado Jorge, que foram buscar a correr.
Este apareceu após alguns instantes e Fiora pensou que raramente vira uma figura mais patibular. Não tanto pelo rosto bexigoso, pelos cabelos gordurosos, pelo nariz achatado por cima de bigode à mongol e pela boca demasiado húmida, mas pelas fendas delgadas por trás das quais se filtrava o inquietante brilho do olhar. Aquele homem era cruel e falso. Quanto à saudação que concedeu ao sobrinho do Papa, era uma obra de arte de subserviência.
Estavas na prisão notou este. A esta hora da noite?
Sim. Prenderam, há pouco, mais um francês, um peregrino, por assim dizer. Estava numa taberna do Campo del Fiori. O patrão preveniu o Soldan, que o prendeu não sem alguma dificuldade, aliás: foram precisos doze homens para o conseguirem, porque ele deu cabo de três.
Curioso peregrino! Por que razão chamaram o Soldan?
O homem estava a fazer perguntas. Procurava uma mulher do seu país que tinha vindo rezar junto do túmulo do Apóstolo, parece, e que desapareceu há vários meses. Uma mulher... muito bela.
Riario agarrou em Fiora pelo braço para a aproximar da luz do archote:
Como esta, talvez?
O outro afastou os lábios para mostrar uma coisa parecida com um sorriso.
Juraria que sim! Encontraste-a, por fim, senhor?
Não sem dificuldade. E trago-ta para que ma guardes enquanto esperamos que o Santo Padre peça para a ver. Quanto ao teu francês, se bem compreendi, já estavas a fazer-lhe algumas perguntas?
Exactamente, senhor! Queres ir ver?
Vamos lá os dois! Não é verdade, Senhora Condessa? Pode ser interessante.
O movimento de recuo de Fiora foi facilmente neutralizado. Riario segurava-a e segurava-a bem. Quer quisesse, quer não, teve de seguir o albanês por uma estreita escada que mergulhava nas profundezas da enorme torre. O seu coração estava cheio de uma angústia que tinha dificuldade em reprimir ao pensar que, dentro de instantes, iriam metê-la, segundo parecia, numa câmara de tortura para assistir ao suplício de um francês, e de um francês que, sem dúvida, a procurava. Mesmo que não o conhecesse, ia ao encontro de uma terrível provação.
Jorge parou diante de uma porta de carvalho enegrecido que não tinha qualquer ferrolho e que, até, estava entreaberta, deixando sair uma luz avermelhada. Lá dentro ouvia-se ofegar alguém que devia lutar contra o sofrimento.
O espectáculo que descobriu era ainda pior do que esperava: um homem estava estendido em cima do cavalete, os punhos e os tornozelos presos em pulseiras de ferro ligadas a um cabrestante destinado a puxá-las até à deslocação. A máquina hedionda estava parada devido à ausência do vice-governador e o carrasco, um negro gigantesco e nu até à cintura, esperava placidamente novas ordens de braços cruzados ao lado da vítima. Fiora não teve qualquer dificuldade em reconhecer aquele rosto de olhos fechados e empalidecido pela dor: era o de Douglas Mortimer, o sargento da Guarda Escocesa do Rei de França e um dos seus melhores amigos.
A jovem não pôde reprimir um estremecimento que não escapou a Riario, assim como a súbita palidez das suas faces.
Algo me diz que vos conheceis, os dois? perguntou ele com um sorriso pleno de fel.
Já Flora se recompunha. Rezando mentalmente a Deus para que Mortimer não estivesse inconsciente e pudesse ouvi-la, declarou, mais alto, talvez, do que o necessário e com uma indignação que não precisava de forçar:
É evidente que conheço! É o intendente do meu solar de La Rabaudière. Está muito ligado a mim e não me espanta nada que se tenha posto à minha procura. Há meses que fui raptada.
Vosso intendente? Um simples camponês? Como se compreende, então, que ele tenha vindo a Roma? Quem lhe terá dito que vós estáveis aqui?
Quem havia de ser? Eu pensava que, desde a minha chegada, o cardeal d’Estouteville tinha enviado um mensageiro a Plessis-lès-Tours para dar a conhecer ao Rei Luís as exigências do Papa? O meu solar é vizinho do castelo real e os meus empregados devem ter sabido do meu destino. A propósito, o Rei não enviou um mensageiro, uma delegação, uma carta, qualquer coisa, como resposta à mensagem do cardeal?
Não enviou nada! disse Riario, encolhendo os ombros. Não deveis ter tanta importância como o meu tio imaginava.
Isso é uma grande mentira! disse uma voz que parecia vir das profundezas da terra e que era a de Mortimer em pessoa. A despeito da sua situação trágica, os seus olhos azuis, muito abertos, brilhavam com um fogo alegre que reconfortou o coração de Fiora. Graças a Deus, o escocês ouvira, reconhecera-a e, entre os dois, talvez conseguissem enganar o funcionário alfandegário disfarçado de príncipe que os observava.
Ah, tu, afinal, falas? grunhiu ele. Talvez consintas em nos dizer o teu nome?
Chama-se Gaucher disse Fiora Gaucher Lê Puellier. O tio e a tia dele, Étienne e Péronnele, são os guardiões da minha propriedade. Apanhastes uma grande presa, ha? Um simples camponês, que neste mundo só responde perante Deus e o seu senhor!
Mas que se atreve, mesmo assim, a acusar-me de mentiroso? Que pode ele saber das relações entre o Rei e o Sumo-Pontífice?
O que toda gente sabe em Plessis, onde todos têm pena de Dona Fiora continuou o falso Gaucher. Que o Rei Luís já enviou para aqui, e por duas vezes, gente dele... que nunca mais regressou!
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