- Então? - perguntou Francesco - continuas a achar que és feia?
- N...ao. Mas, por que razão não sou loura como ela? Se eu tivesse esses cabelos dourados, tenho a certeza que os poetas me cantariam e talvez pudesse ser, um dia, a rainha da giostra...
- Como madonna Simonetta? - sorriu Beltrami com uma chama picante nos olhos. - Espero que a minha filha não seja tolamente ciumenta? É verdade que toda a Florença admira essa mulher encantadora, mas antes de Lourenço casar com madonna Clarisa...
- Que é ruiva! - precisou Fiora, teimosa.
- Que é ruiva... e não muito bonita. Antes, portanto, desse casamento, todos, em Florença, só tinham olhos para a bela Lucrezia Donati, que Lourenço amava e que era morena, como tu.
Com os mesmos gestos leves e piedosos de poucos minutos antes, Francesco tirou o chapéu à jovem e preparava-se para o guardar quando Fiora o interrompeu:
- Pai! Essas manchas escuras na renda, o que são?
Francesco ficou muito pálido e olhou para a filha com uma espécie de desvario. Subitamente febril, acabou de guardar a relíquia, fechou o cofre, guardou-o, regressou depois para junto do quadro que parecia açambarcar toda a luz daquele belo dia e quando pegou num grande tecido de veludo para o cobrir, Fiora interrompeu-o de novo:
- Deixa-me olhar para ela mais um bocado! - pediu a jovem. Conheço-a tão pouco! Nem tu nem Léonarde me falam nunca dela. Só sei uma coisa: que era uma dama nobre da Borgonha...
- É que, vê tu, a história é muito triste, dolorosa, mesmo. Só falamos dela raramente, Léonarde e eu. Quanto a ti, ainda és muito nova.
- Nunca se é demasiado nova para aprender a conhecer a sua mãe. Só vos tenho a vós para me falarem dela e agora esta imagem, mas, se eu a interrogar, ela não me responderá, porque messer Sandro limitou-se a copiar a minha figura.
Tu és capaz, na tua idade, de captar a mensagem de um retrato?
perguntou Francesco, surpreendido.
£ claro. Eu vi em casa dela o retrato da nossa prima Madonna
Hieronyma Pazzi, pintado por aquele antigo monge morto há seis anos, messire Lippi. É um belo retrato, que faz justiça à sua beleza; mas também diz que ela é vaidosa, ávida, de coração cruel e falso. Nesta imagem não leio nada.
Francesco estava espantado. Que a sua Fiora, que ele considerara sempre uma criança e que em muitos aspectos ainda o era, pudesse dar provas de um tal dom de psicologia, confundia-o... A jovem sentiu-o e quis aproveitar:
E agora acrescentou ela docemente responde-me, peço-te, à pergunta que te fiz... aquelas manchas escuras?... Dir-se-ia que são de sangue!
Beltrami virou-se e foi até à janela de onde se via, por cima dos telhados da via delia Vigna Nuova, o magnífico palácio Rucellai, um dos mais recentes de Florença e um dos mais belos. Fiora seguiu-o:
Responde-me, pai! Quero saber!
Já me tinha esquecido que tu também sabes dizer «quero»... Muito bem, sim, é sangue... dela. A tua mãe morreu, minha filha, em terríveis circunstâncias...
Que circunstâncias?
Não me perguntes mais nada porque não te responderei. Mais tarde, talvez...
Isso é quando, «mais tarde»?
Quando fores mulher. Por agora não passas de uma rapariga e uma rapariga só deve ter pensamentos alegres. Sobretudo num dia de festa!... Diz-me lá, que vais usar para ir ao torneio, como se diz em França?
De regresso às suas preocupações anteriores, Fiora encolheu os ombros, desiludida:
Não sei. Confesso-te que não tenho muita vontade de ir.
Não ir à giostra, quando os nossos lugares estão marcados na melhor tribuna?
Por trás da rainha. Ligo pouca importância a isso. Ninguém reparará em mim!
Excepto Domenico Accaiuoli, Marco Soderini, Tommaso SalVlati, Luca Tornabuoni e mais alguns de menor importância recitou Francesco, que reencontrara o seu sorriso.
Foi isso, precisamente, que eu disse: ninguém!
A jovem não acrescentou que o único que contava para ela, o belo o irresistível Giuliano de Médicis, só olharia para Simonetta Vespucci. Beltrami desatou a rir:
O que para aí vai! Estou a ver que és muito difícil. Vai ser preciso, portanto, arranjar-te, um dia, um marido...
Fiora meteu o braço no do seu pai e, pondo-se em bicos dos pés, beijou-lhe a face bem barbeada:
O único homem que eu amo nunca poderá casar comigo, porque és tu!
Ah! Eis umas palavras que merecem uma recompensa! Tenho uma coisa para ti.
Afastando-se do braço da filha, o negociante foi buscar a um cofre um pequeno pacote envolto em seda e estendeu-o a Fiora:
Toma, contava oferecer-to para a tua festa, mas a ocasião parece-me oportuna...
Os olhos da jovem brilharam. Como todas as suas iguais adorava presentes, surpresas e tudo o que era inesperado. Corada de impaciência, desdobrou a seda branca e descobriu um daqueles aros de ouro de que tanto gostavam as elegantes florentinas. Aquele tinha como modelo folhas de visco, cujas bagas eram outras tantas pérolas. Uma outra, em forma de pêra, caía a meio da fronte...
Oh, pai! Que maravilha! Quem fez isto?
O Engrinaldem/17. Encomendei-lho já há muito tempo e não esperava recebê-lo tão cedo, mas o artista vai para San Gimignano, onde vai decorar a capela de Santa Fina. Sinto-me feliz por poder oferecer-ta hoje, porque já estás em idade de receber e usar jóias. Como vês, não tens razão nenhuma para me deixar ir sozinho à festa. E agora, separemo-nos. Tenho de me preparar para o banquete no palácio Médicis...
Ao qual as damas não vão...
Ao qual as damas não vão, como sempre que monsenhor Lourenço recebe embaixadores e homens políticos. Na giostra e no baile desta noite, as damas terão a sua vingança...
Era verdade que a festa prometia ser bela. Era sempre assim quando o Magnífico quando ele tinha 20 anos já lhe atribuíam aquele cognome
NT Lê Guírlandierno original pintor, miniaturista e joalheiro, Domenico di Tommaso Bigordi recebeu este cognome.
prestigioso, decidia que a sua cidade devia viver algumas horas de folia, porque nunca se esquecia de a fazer participar em todos os acontecimentos familiares, religiosos ou políticos da sua própria vida. Naquela noite, ninguém dormiria em Florença. Haveria bailes no palácio da via Larga em algumas ricas mansões, mas também nas ruas e nas praças, onde o vinho correria das fontes...
Quando, ladeada por Léonarde e Khatoun, que deveriam escoltá-la até à praça Santa Croce onde teria lugar a giostra e onde encontraria o seu pai, Fiora deixou o seu palácio, esquecera a sua manhã rabugenta e o que ela acreditava serem boas razões para estar de mau humor, para se deixar levar pela alegre atmosfera da cidade e pelo seu turbilhão de cores e sons. Através do céu azul, os sinos de todos os campanários tocavam até romper os braços dos tocadores e em cada encruzilhada músicos e cantores proclamavam, ao desafio, a alegria de serem jovens, de amar e de viver em Florença, a mais bela cidade do mundo. As fachadas de todas as casas desapareciam sob as telas pintadas, as sedas e os panos vermelhos e brancos, que eram as cores da cidade, debruados a ouro ou prata. Tinha-se a impressão de caminhar através de um imenso fresco cintilante, um fresco animado por uma multidão em traje de festa, caminhando alegremente para o local do grande espectáculo. Em todas as praças tinham sido espetados grandes mastros de madeira dourada, dos quais pendiam longos estandartes, dos quais alguns ostentavam a flor-de-lis vermelha, emblema de Florença e outros o leão de São Marcos, emblema de Veneza.
Nos dias de festa toda a gente andava a pé, para poder admirar melhor as decorações e para não atravancar as ruas estreitas, entregues à folia popular. Lourenço de Médicis dava o exemplo, arrastando pela cidade os seus hóspedes ilustres, aliás com o segundo pensamento de lhes mostrar a sua popularidade, que era imensa.
Diante do palácio da Senhoria, que com as suas paredes severas e ° seu alto campanário dominava as casas em redor e impunha a imagem intransigente da fé, Fiora encontrou a sua amiga Chiara Albizzi, uma rapariga encantadora da sua idade, que conhecia desde sempre e Para quem não tinha segredos... talvez porque a jovem Chiara era quase tão morena como ela e olhava para as coisas e para as pessoas com o mesmo olhar curioso e agudo. Tal como Fiora, Chiara, filha da nobreza, era escoltada por uma governanta e dois criados armados. Quando o vinho corria, os maus encontros eram sempre possíveis.
De braço dado, as duas jovens afastaram-se ligeiramente das suas escoltas benevolentes. Léonarde gostava imenso da companhia da gorda Colomba, a ama-de-leite de Chiara, que era, sem dúvida, a maior mexeriqueira de Florença e que transportava consigo, geralmente, um saco cheio de novidades, das quais a sua filha de leite era, naturalmente, a grande beneficiária.
Pensava que não querias vir? perguntou Chiara. O que é que te fez mudar de ideia?
O meu pai. Ele gosta que eu apareça ao pé dele na giostra. Até me ofereceu uma jóia para a circunstância.
Parabéns! Mas ele tem razão: estás soberba! declarou a jovem Albizzi, inspeccionando com olhos conhecedores a sinfonia de brocados e veludos cinzentos-claros, da cor exacta dos olhos da sua amiga e o sapiente edifício de tranças acetinadas de ouro e pérolas, que tinha exigido a Léonarde uma boa hora de esforços:
Tu também estás soberba disse Fiora, reconhecida e, aliás, sincera. Pareces uma aurora. Estás toda cor-de-rosa!
Sobretudo, tenho o ar de alguém que se vai divertir, ao passo que tu pareces decidida a sofrer. Não consegues tirar Giuliano de Médices da cabeça?
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