Ele olhou para ela deslumbrado, maravilhado... A vela esculpia o seu corpo com sombras ternas, dourava a superfície delicadamente arredondada do seu corpo e fazia deslizar um raio na direcção do vértice das coxas, ao mesmo tempo arredondadas e esbeltas. Com uma mão, ele puxou para si o belo rosto tão puro, cujos lábios se entreabriam e ofereciam, ao mesmo tempo que as grandes pupilas claras desfaleciam. Nunca tal beleza lhe fora dada e o seu coração apertou-se ao pensar que ela iria desabrochar ainda mais, longe dos seus olhos:
Queres? perguntou ele com a voz rouca. Queres mesmo? Então, o riso de Fiora caiu em cascatas alegres, infantis e, no entanto, perturbadoras:
É claro que quero! Platão diz que é bom repetir duas ou três vezes as coisas boas!
A estupefacção deixou-o sem voz. Platão era, de certeza, a última pessoa que ele esperava ver como intruso no seu leito nupcial. Mas como imaginar que aquela adorável rapariga, ainda há pouco uma criança, pudesse ter conhecimentos de filosofia grega? A sua cultura não ia além dos Commentários de César e sentiu-se um pouco vexado...
E que diz Platão do amor? perguntou ele enquanto os seus dedos recomeçavam a deslizar pela pele suave.
Não... não fala muito dele ofegou Fiora, ao mesmo tempo que o seu olhar se perdia... Mas diz:...«Dá e receberás!» E... e eu dou-me a ti para sempre! E eu quero-te em mim, todo...
E então ele apoderou-se dela, brutalmente, como se ela fosse uma rapariga de uma cidade qualquer conquistada. Ela gritou e ele sufocou-lhe os gritos. Ele sentiu as lágrimas correrem-lhe pelo rosto e compreendeu que lhe estava a fazer mal, mas sentia uma alegria maldosa, duplicada pelo pensamento terrível de que aquela rapariga, nascida do incesto e alimentada por uma filosofia herética talvez fosse, no fim de contas, uma enviada do diabo. Teve vontade de a matar, para se libertar das correntes com que ela, insensivelmente, lhe prendia a alma. Já as suas mãos se agarravam ao seu frágil pescoço: começava já a apertá-lo quando ela abriu os seus imensos olhos da cor das nuvens que as lágrimas faziam brilhar e estendeu para que ele os beijasse, os lábios inchados...
Philippe! murmurou ela meu amor, meu senhor...
O demónio é que é o teu senhor! rugiu ele. Uma tal beleza não pode ter sido desejada por Deus...
Bruscamente lúcida, ela quis arrancar-se a ele:
Se há um demónio, foste tu que o fizeste nascer disse ela tão dolorosamente que ele teve vergonha. As lágrimas que agora corriam não eram lágrimas de felicidade. Ele recolheu-as uma a uma, antes de beijar longamente aquela boca trémula, ao mesmo tempo que, de novo, fazia explodir o prazer no corpo da jovem mulher, antes de dar livre curso à sua própria satisfação.
Perdoa-me! sussurrou ele, por fim. Tu pões-me louco...
Então, estamos loucos os dois concluiu Fiora, consolada, aninhando a cabeça na cova do ombro do seu marido...
Sentia-se fatigada, mas ainda não queria dormir. Teria todo o tempo para se abandonar ao sono quando Philippe já ali não estivesse, quando o seu leito estivesse vazio e frio...
Ignorava suspirou ela que o amor pudesse dar tanta satisfação e eu gostaria de poder dar-te tanta quanta tu me dás...
Não sentes a que ponto me fazes feliz?
Talvez... mas, há um momento, pareceu-me que me detestavas...
Não acredites nisso... A verdade é que tu és demasiado bela e a tua beleza mete-me medo.
Porquê, se tudo o que eu sou te pertence inteiramente? Oh! Meu amor, ensina-me a amar-te... Diz-me como te hei-de dar tanto prazer...
Isso são coisas que não se ensinam a uma mulher honesta disse ele com uma falsa severidade...
Para que hei-de eu ser uma mulher honesta esta noite? Vou ter todo o tempo para isso. Esta noite só quero ser a tua mulher...
Enternecido, ele guiou-lhe os primeiros gestos, mas a aluna era digna do mestre e um silêncio, povoado por longos suspiros, instalou-se por baixo das cortinas púrpuras que fechavam os dois amantes, como se estivessem no coração de um fruto maduro. E, por três vezes ainda, Philippe triunfou daquele corpo jovem que parecia insaciável, até que por fim, Fiora, fulminada, adormeceu de repente, com a cabeça fora do leito e os longos cabelos, encharcados em suor, arrastando pelo tapete. Philippe, com o coração a bater desordenadamente no peito, deixou-se cair de borco, o rosto nas almofadas e, por sua vez, adormeceu também.
Mas a madrugada não estava longe. Algures, no campo, um galo cantou, imitado por outros nos quatro cantos do horizonte... A porta da câmara nupcial abriu-se silenciosamente sob a mão de Léonarde, que permaneceu um momento imóvel, na soleira, fascinada pelo espectáculo que se lhe oferecia à luz decadente da vela, da concha avermelhada da alcova aberta com os dois corpos nus, que o amor parecia ter fulminado. O de Fiora, na sua pose impudica, tinha o ar do cadáver de uma bacante e Léonarde, de sobrolho franzido, benzeu-se duas ou três vezes antes de caminhar, sem o menor ruído, na direcção daquele leito onde, um século antes, dormira uma virgem inocente...
Suavemente, tomando cuidado para não a acordar, a governanta endireitou a jovem, que, do fundo do seu sono, murmurou palavras indistintas e sorriu, mas, uma vez em cima da almofada, enroscou-se, como uma gata feliz por encontrar o seu ninho. Léonarde cobriu-a e depois, dando a volta ao leito, aproximou-se de Philippe, pousou-lhe uma mão no ombro e abanou-o docemente, inclinando-se sobre a sua orelha.
Messire sussurrou ela. Tendes de vos levantar! São horas... Habituado desde a infância pelo duro treino cavaleiresco a dormir em qualquer parte e a acordar ao primeiro chamamento, Philippe virou-se de imediato e olhou para a governanta com olhos quase lúcidos...
Que dizeis? grunhiu ele.
Shhhh!... Digo que o dia está a nascer e que a vossa escolta está quase pronta. Messire de Prames está a tomar o pequeno-almoço.
Já?... Por que partir tão cedo?
Vós é que sabeis. Para não chamar a atenção. Não decidistes assim com messire Francesco?
Com efeito... mas isso foi antes...
O jovem inclinou-se para Fiora para a beijar, mas Léonarde deteve-o:
Não a acordeis! Assim é mais fácil...
Quereis que eu parta... sem lhe dizer adeus?
Sim. É melhor para ela... e para vós! A menos que queirais ficar com a recordação de um rosto desfigurado pelas lágrimas?
Não!... Não, tendes razão...
Philippe levantou-se com um movimento ágil que não abanou o leito e bocejou, espreguiçando-se com grandes movimentos, não se preocupando em esconder um corpo onde se viam cicatrizes de antigos ferimentos e ligeiras arranhadelas deixadas pelas unhas de Fiora. Antes de pegar no roupão com que entrara na véspera naquele quarto, virou-se para a jovem que dormia tranquilamente na massa negra dos seus cabelos desordenados com uma mão numa das faces e concedeu a si próprio uns últimos instantes de contemplação... com as grandes olheiras azuladas que marcavam os seus belos olhos de pálpebras fechadas, ela pareceu-lhe mais bela do que nunca e ao pensar que nunca mais a veria algo lhe apertou a garganta... Seria uma coisa muito doce passar uma vida inteira junto dela, mas o pacto, cujas cláusulas fora ele próprio a ditar, só lhe concedia uma noite... Inclinando-se rapidamente, pegou numa mecha de cabelos e pousou nela os lábios...
Adeus!... murmurou ele... adeus, meu doce amor! Endireitando-se, viu que Léonarde, com ar bizarro, lhe estendia um par de tesouras... Ele pegou nele com um sorriso que perturbou a velha dama. Ela não imaginava que aquele homem, do qual não pensava nada de bom, pudesse ter aquele sorriso de criança maravilhada.
Obrigado! disse Philippe.
O borgonhês cortou uma pequena mecha que guardou na concha da mão e depois, entregando a tesoura a Léonarde, pegou no seu vestuário e abandonou o quarto sem se virar. Só com Fiora adormecida, Léonarde puxou suavemente as cortinas do leito para que a luz do dia que começava a nascer não acordasse a jovem e abandonou o quarto na ponta dos pés...
Entretanto, no grande vestíbulo de grandes lajes de mármore branco e negro, Philippe de Selongey dispunha-se a despedir-se de Beltrami, Que o esperava na base da escadaria.
Tendo deitado pela cabeça abaixo uma bacia de água fria, como ° atestavam os cabelos ainda húmidos, Francesco conseguira afastar os vapores da embriaguez, mas os seus olhos continuavam injectados de sangue ao verem o borgonhês, calçado e envolto no seu grande manto de montar, descer os últimos degraus, notando com cólera que ele tinha a expressão de um homem que não dormira praticamente nada e que o seu passo parecia mais pesado... Aparentemente, aquela única noite que Selongey exigira fora em cheio e Beltrami sentiu em si um furor insano. Teve vontade de subir àquele quarto onde a sua bela Fiora jazia talvez ferida, ensanguentada, doente de desgosto, depois de ter servido de brinquedo durante horas à impiedosa luxúria daquele homem, mas avistou Léonarde, que das sombras densas do andar superior descia lentamente e conteve-se à custa de um violento esforço. Apenas uma coisa era urgente: que aquele bruto desaparecesse para sempre no horizonte! À força de ternura, saberia fazer esquecer àquela criança o sofrimento por que tinha passado.
Com uma voz que se esforçava por manter firme, perguntou:
Dissestes-lhe adeus?
Não... ela dorme e eu não quis acordá-la. Dizei-lhe vós adeus por mim... Dizei-lhe...
O quê? ralhou o negociante.
Philippe emitiu aquele seu sorriso engraçado que lhe repuxava a boca só para um lado e encolheu os ombros.
Nada! Não saberíeis o que dizer...
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