Como num sonho, viu abrir-se a porta da pequena capela mal iluminada por uma grossa vela pousada no chão num candelabro de prata e por duas lâmpadas em cada lado da velha pedra do altar, coberta com uma toalha imaculada. Estava escuro e frio. Nenhuma solenidade para aquela missa nocturna, apenas os vasos sagrados, que eram preciosas peças de joalharia e a casula do monge que ia oficiar, mais dourada ainda do que o vestido da noiva.
Como num sonho, ouviu desenrolar-se o ritual e ofereceu a mão ao pesado anel de ouro que Philippe lhe enfiou no dedo. As palavras do padre e as fungadelas de Léonarde, que acabara por chorar, eram as únicas coisas que perturbavam o silêncio em que estava envolvido o convento. A realidade regressou com a saída da igreja, o regresso a casa pelo braço de Philippe e o rosto crispado de Francesco Beltrami, quando, no instante de subir com Léonarde e Khatone para o quarto preparado para a noite de núpcias, Fiora ofereceu a fronte ao seu beijo e à sua bênção... No momento em que a sua filha o deixava para ir, não para o seu leito de menina, mas para o de um homem, Beltrami, pálido até aos lábios, parecia um mártir em tormento. Que torturas poderiam ser piores do que aquelas que estava a sofrer? À humilhação de ter sido obrigado a ceder a uma chantagem juntava-se um ciúme devorador. Naquele instante, teve vontade de matar aquele homem demasiado sedutor, que só precisara de um momento para conquistar o coração de Fiora e que, agora, tinha o direito de entrar no seu quarto, como dono e senhor e possuir o seu corpo.
Porque era honesto, perguntou a si próprio se todos os pais experimentariam o mesmo terrível sentimento de frustração, a mesma dolorosa tensão carnal? As recordações que guardava de outros casamentos responderam-lhe pela negativa e teve vergonha dos pensamentos que o tinham invadido, das imagens que a sua imaginação febril lhe mostrara. Se Fiora tivesse sido, realmente, sua filha, tudo aquilo, certamente, lhe teria sido poupado, mas ela não era sua filha segundo a carne e ele reagia como um homem a quem acabavam de tirar a mulher amada. Era Marie, que ele perdia pela segunda vez...
Naquela noite, o sensato Francesco Beltrami bebeu um pouco mais do que devia enquanto esperava pela luz do dia, desse dia triunfal que lhe traria o fim do pesadelo, em que veria partir, sem esperança de regresso, o borgonhês detestado, deixando-lhe Fiora durante todo o tempo que lhe restava de vida. De momento, era-lhe penoso confessar que fora aquela a única circunstância que o incitara a aceitar a exigência insensata de Selongey. O conde só teria uma única noite. Ele teria a vida toda, o que nunca teria sido possível com um marido florentino...
Enquanto isso, no grande quarto docemente aquecido, perfumado e ornamentado com flores e folhagem, Léonarde e Khatoun preparavam Fiora para a noite. Desfizeram o entrançado complicado do seu penteado e depois pentearam, escovaram e lustraram os seus longos cabelos negros até ficarem brilhantes, tão suaves como cetim. Despojaram-na das jóias, do vestido sumptuoso, da roupa branca e massajaram-lhe docemente o corpo e as pernas com um óleo leve e perfumado, que cheirava a floresta e erva recentemente cortada. Depois, segurando cada uma numa das suas mãos, conduziram-na, nua, até ao grande leito de colunas com cortinas de veludo púrpura e franja dourada que, maciço como um altar de sacrifícios, ocupava o centro do quarto.
Estenderam-na entre os lençóis sedosos aquecidos antecipadamente, depois de exporem os seus cabelos na almofada, numa auréola negra e brilhante. Em seguida, Léonarde acendeu a vela de cabeceira, beijou Fiora na fronte e fechou as cortinas do leito antes de se retirar com Khatoun, que cantarolava acompanhada pelo seu alaúde...
O som do instrumento apagou-se pouco a pouco e Fiora, o coração batendo-lhe com toda a força no peito, ficou só à luz avermelhada da vela...
Não esperou muito tempo. Ouviu o ligeiro ranger da porta, um ruído de passos atenuado pelos tapetes e por fim o deslizar das cortinas, afastadas com as duas mãos. Fiora fechou os olhos, mas reabriu-os logo a seguir, não querendo perder nenhuma imagem daquela noite única. E viu Philippe. De pé em frente do leito, as mãos ainda agarradas às cortinas de veludo, olhava para ela e os seus olhos faiscavam no rosto bronzeado. Com excepção de um curto calção branco, estava nu e a chama vacilante da lâmpada de azeite fazia com que os músculos poderosos, mas sem gordura, das coxas e do peito, onde se encaracolavam uns pêlos curtos, e dos braços, parecessem vivos.
Fascinada, Fiora olhava para ele, pensando que era ainda mais belo do que aquela estátua de Hermes pela qual Lourenço de Médicis sentia tanto orgulho, mas já ele agarrava no lençol e na colcha e, com um gesto atirava-os para os pés do leito... Com as faces subitamente a arder, Fiora voltou a fechar os olhos, esperando que ele falasse, que dissesse qualquer coisa, fosse o que fosse, que fizesse um gesto, mas Philippe não tinha pressa. Tinha pegado na vela e erguia-a por cima do corpo nervosamente hirto da jovem. O jovem viu que ela tremia e sorriu:
De que tens medo? O teu espelho nunca te disse como és bela?... Tão bela!... Tão doce!... O borgonhês voltou a pousar a vela e, deixando-se cair de joelhos, pousou os lábios no ventre de Fiora, que se sentiu percorrida por um longo arrepio. Ele sentiu-o e deu uma ligeira risada:
Belo instrumento murmurou ele, envolvendo numa longa carícia os seios palpitantes que maravilhoso canto de amor vou poder tocar em ti...
Sem abandonar a sua pose ajoelhada, cobriu-lhe o corpo todo com beijos leves, lambendo docemente as pontas cor-de-rosa que se erguiam sob os seus lábios, ao mesmo tempo que as suas mãos exploravam as curvas das ancas e a superfície sedosa do ventre tenso. A boca seguiu as mãos, descendo, descendo sempre até ao doce monte-de -vénus, que ela abriu delicadamente. Com os olhos muito abertos e o coração enlouquecido, Fiora sentiu acordar em si uma tempestade, um ardor de que não pensava ser capaz... Todo o seu corpo gritava por aquele homem que tocava nela como num instrumento, lhe arrancava suspiros, queixumes doces e não sabia mais o quê... Por fim, ele deslizou para cima dela, fechou-a nos braços e devorou-a com um beijo, sob o qual ela desfaleceu... O seu corpo distendeu-se e arqueou-se como se quisesse escapar ao peso que lhe era imposto sem brutalidade, Philippe martirizou-lhe a revolta e, subitamente, ela sentiu que ele entrava nela...
Uma breve, ligeira dor, cujo grito ele sufocou com um beijo. Por um momento, Philippe permaneceu imóvel, mas depois, com as mãos mergulhadas na cabeleira cujo perfume o inebriava, começou docemente, muito docemente, a sua dança de amor, à qual, em breve, Fiora se associou apaixonadamente... A onda ardente de prazer arrebatou-os e revolveu-os até ao último paroxismo, que atingiram juntos num estertor duplo... Depois a onda abrandou, deixando-os ofegantes, naufragados na praia de lençóis amarrotados, nos quais havia algumas gotas de sangue... Mas os braços de Philippe não abrandaram o seu abraço... Aquele ser novo que ele acabava de acordar para o amor acabava de lhe oferecer, sem saber, a mais espantosa das revelações: a das profundezas inesperadas do seu coração. Ele pensava amar Fiora como amara outras mulheres antes. Mas, desta vez, o caçador fora apanhado na própria armadilha e não tinha vontade de se afastar dela. No entanto, teria de o fazer quando chegasse a madrugada. Teria de partir, prisioneiro da sua palavra e deixar a sua mulher, aquela que nunca pensara encontrar, prosseguir sem ele uma vida que lhe era totalmente estranha. Não lhe permitiriam alterar fosse o que fosse no pacto que concluíra com Beltrami, sobretudo este. Philippe compreendera-o pelo olhar assassino que o negociante lhe lançara quando ele o deixara para ir ter com Fiora...
Amo-te! murmurou ele com a boca nos cabelos dela. Nunca saberás a que ponto te amo...
Por que nunca hei-de saber? Não mo poderás provar durante estes anos todos que temos para viver juntos?
Saberemos nós se teremos anos pela frente? Eu vou partir, deixar-te, porque não posso levar-te comigo.
No fim de contas, por que razão não podes?
Sabe-lo bem. Não se leva uma mulher para a guerra.
Talvez se comportasse de maneira a espantar-te? Para te seguir, para estar sempre ao pé de ti, creio que seria capaz de aceitar muitos perigos.
Casei, afinal, com uma jovem leoa? perguntou ele, abraçando-a. Só aumentas as minhas penas, meu amor, minha flor... meu doce amor. Mas tu tens de ficar... nem que seja para não pôr o teu pai em perigo. Diz-se que o rancor do magnífico Lourenço pode ser tanto mais terrível quanto menos direito tem de exercer o poder. E tenho poucas dúvidas acerca dos seus sentimentos para com o meu duque. Se ele soubesse que o teu pai te deu a mim sem sequer lhe pedir a opinião, as consequências, se eu julguei bem o homem, poderiam ser... desagradáveis para vós dois.
Nesse caso, esperarei suspirou Fiora mas, mesmo que só dure uma semana, será bem longa, essa espera... Tens mesmo de partir amanhã?...
Não
posso fazer outra coisa...
Nesse caso, não podemos perder um minuto desta noite que o destino nos dá. Ama-me! Philippe, ama-me mais e mais, para que eu possa viver de recordações durante todos os dias e noites que vou passar sem ti.
Philippe só esperava aquele pedido, porque o desejo já tinha acordado de novo nele, mas temia, dando-lhe livre curso, assustar e até ferir aquela criança que se tinha abandonado a ele com tanta confiança. E afastou-se um pouco.
Não é preciso ter tanta pressa, minha doce... Tu és tão jovem, tão nova... Tenho tanto medo de te fazer mal!
Não me poderás fazer mal, porque sou eu que te»chamo. É tão doce ser tua...
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